Supremo libera repasse de dados sigilosos em investigações
Por 9 a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o compartilhamento de informações sigilosas da Receita Federal com o Ministério Público e a Polícia Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial. Diante de um placar que iria lhe impor uma derrota, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, alterou o voto nos minutos finais da sessão e aderiu à corrente vencedora, que permite o repasse de dados sensíveis e detalhados, como extratos bancários e declarações de imposto de renda. Também nesta quinta-feira, 28, foi derrubada a liminar de Toffoli para suspender 935 ações que continham dados fiscais sem aval da Justiça.
A discussão será concluída na próxima quarta-feira, 4, quando o plenário vai fixar a chamada tese, uma espécie de resumo com o entendimento da Corte sobre o tema. Um dos pontos que precisa ser esclarecido é se a decisão também abrange dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, ou apenas a Receita.
Na prática, a decisão do Supremo abriu caminho para a retomada das investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. O processo que apura o esquema de “rachadinha” quando Flávio era deputado estadual no Rio havia sido paralisada por uma liminar de Toffoli, que nesta quinta também foi derrubada. As investigações contra o filho do presidente, no entanto, ainda dependem de uma decisão do ministro Gilmar Mendes para que sejam destravadas. Em setembro, Gilmar deu uma liminar, obrigando autoridades do Rio a cumprir a determinação de Toffoli. Como essa decisão está ligada à de Toffoli, a liminar também deve cair.
O presidente do Supremo explicou ao jornal O Estado de S. Paulo por que mudou de posição. “Em razão dos debates, eu retifiquei o voto, sem prejuízo das minha posição pessoal, para acompanhar a posição do ministro Alexandre de Moraes e da maioria”, disse ele. Durante o julgamento, a ministra Cármen Lúcia criticou a primeira decisão de Toffoli, que beneficiou Flávio, com a interrupção do seu processo. “O interessado não compõe este processo, não comparece em qualquer condição, não era parte”, observou Cármen.
Tese
A expectativa de integrantes da Corte é a de que, na formulação da tese, a UIF acabe incluída na decisão, mesmo com parte dos ministros contra. O relator da Operação Lava Jato, ministro Edson Fachin, mudou de posição nos últimos dias e passou a admitir a inclusão da UIF no julgamento. “Fiz uma ponderação de alguns argumentos, dentre eles pela segurança jurídica do tribunal, e acabei avançando (no tema)”, justificou Fachin.
Posto
O Supremo começou a analisar esse processo a partir da reclamação de donos de um posto de gasolina em Americana, no interior de São Paulo. A defesa deles acusou a Receita de extrapolar suas funções ao passar dados sigilosos sem aval da Justiça em uma ação de desoneração fiscal. O caso ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo deve ser aplicado para outros processos semelhantes nos diversos tribunais do País. Por decisão de Toffoli, o escopo do julgamento foi ampliado, incluindo também a UIF, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que lhe rendeu críticas.
O ministro Marco Aurélio Mello disse que o processo acabou ganhando endereço certo: o senador Flávio Bolsonaro. Ele também criticou o fato de a decisão inicial de Toffoli ter suspendido “um sem número de procedimentos criminais no País”, prejudicando uma área sensível, que é a da persecução penal.
Marco Aurélio e Celso de Mello se posicionaram contra o compartilhamento de informações sigilosas da Receita sem prévia autorização judicial. Toffoli, por sua vez, havia votado inicialmente no sentido de impor limites ao repasse de dados, não permitindo o envio de informações sensíveis e detalhadas, como extratos bancários e declaração de Imposto de Renda. Diante do cenário de derrota, recuou e aderiu à corrente aberta por Moraes.
“É dever do agente público, ao se deparar com fatos criminosos, comunicar o Ministério Público como determina a lei. Mas não constitui violação ao dever do sigilo a comunicação de quaisquer práticas de ilícitos”, argumentou a ministra Cármen Lúcia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.