Suicídios alertam Marília, mas pacientes só encontram vaga para 2023
Novembro passou com grande número de suicídios consumados em Marília. Apenas nas últimas semanas do mês, em menos de dez dias, quatro pessoas tiraram a própria vida, deixando familiares e amigos em luto. As mortes mostram um pouco da realidade do setor de Saúde Mental na cidade, que recebe críticas da população que precisa do serviço e, na maioria das vezes, encontra dificuldades para o atendimento.
Quem procurar alguma unidade do Centro de Apoio Psicossocial (Caps) – e precisar de prescrição de medicamentos – só vai receber o atendimento em 2023. Essa foi a informação obtida pela reportagem do Marília Notícia, que buscou saber como funcionava o serviço no município.
Em contato telefônico feito em um Caps, o atendente informou ao MN que era preciso chegar ao local às 7h para passar pelo acolhimento. Em seguida, é feita a verificação para saber se a pessoa possui os critérios para estar no local ou se deve encaminhada para algum outro tipo de serviço, que pode até mesmo ser em uma Unidade de Saúde do município.
Passando pelo acolhimento, o paciente que busca auxílio por problemas na área da Saúde Mental pode ter a resposta na hora ou no mesmo dia, na parte da tarde. O atendimento em grupo começa na mesma semana, mas o atendimento individual, para prescrição de medicamentos, não conta mais com vaga para este ano. Não há informação precisa sobre a data, mas seria apenas em 2023.
MORADORA RECLAMA
Moradora do bairro Cascata, Vanessa Fiorin relata diversas dificuldades nos últimos cinco anos. Ela conta que sua filha, com 12 anos, sofreu com o bullying na escola e então desenvolveu anorexia.
Em busca de atendimento para o problema, Vanessa levou a filha para a Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro Cascata, quando foi indicada para o Hospital São Francisco, com a equipe cuidava de problemas com transtorno alimentar.
“Não demorou muito e fomos atendidas. Minha filha tentou várias vezes o suicídio e foi [um período] muito tenso para nós. No primeiro ano foi maravilhoso o atendimento no São Francisco, mas depois trocaram os profissionais e tudo piorou. Eu ia a pé com minha filha, saindo daqui da rua Sargento Ananias até o São Francisco, na zona Sul, para não perder a consulta, mas minha filha não estava mais sendo bem atendida”, conta a mãe.
Vanessa revela que a menina ficou afastada por dois anos da escola por causa do bullying, mas como o atestado médico estava vencendo e não quiseram renová-lo, procurou atendimento no Caps Catavento. Ela diz ter sido bem atendida no local, permanecendo com o atendimento por dois anos e meio, porém, no início do ano, recebeu alta do tratamento, recebendo indicação de que deveria continuar com o medicamento.
“Como minha filha tem transtorno alimentar, por um tempo ela melhora, mas ela se acha gorda. Ela vê a aparência dela distorcida. Fez o tratamento certinho, mas deram alta no início de janeiro e não deram alta dos medicamentos fortes que ela toma. Como está tendo alta do psiquiatra e não teve alta dos medicamentos? Disseram para ir ao posto, que o médico daria, mas ele não é psiquiatra, é clínico geral”, reclama Vanessa.
A mãe conta que o médico do posto até passou uma receita no primeiro mês, mas no segundo mês negou, por não ser psiquiatra. Vanessa ainda diz que a filha, além do transtorno alimentar, tem problema de ansiedade. Ao retornar para a UBS Cascata, recebeu o encaminhamento para o Hospital Espírita de Marília (HEM), mas a filha recebeu alta sem sequer passar pelo médico especialista.
“Estão empurrando a gente com a barriga. No posto me encaminharam para o HEM. Na última consulta deram alta sem passar pelo psiquiatra. A moça da recepção que avisou da alta médica. Como vou pegar a receita do remédio? Estou desesperada. Mandaram de novo para o posto e agora encaminharam minha filha para o Hospital da Unimar. Espero que consiga prosseguir com o tratamento, mas está difícil”, diz Vanessa.
COMUS COBRA PROVIDÊNCIAS
Relatos como o de Vanessa, contando sobre as dificuldades encontradas no atendimento para a área de saúde mental, são comuns nas redes sociais.
Durante reunião no final do mês passado, o Conselho Municipal de Saúde (Comus) já havia alertado para uma “sobrecarga descomunal” no Caps e solicitava a contratação de novos profissionais para reforçar o quadro com urgência.
No Diário Oficial da última sexta-feira (2), a publicação da ata de uma nova reunião do Comus, realizada no dia 30 de novembro, reforça a necessidade de que sejam tomadas providências para melhorar o serviço de saúde mental.
Entre as recomendações, estão a ampliação do número de consultas nas unidades de saúde (UBSs e USFs), alegando que “se faz urgente o acolhimento de todos os usuários e muitos em sofrimento mental não estão conseguindo acessar a porta de entrada para serem ouvidos.”
O Comus também sugere a reativação do Fórum da Saúde Mental da cidade, para integração de toda Rede de Atenção Psicossocial do Município, incluindo participação do Estado para discussão urgente em conjunto.
Por fim, reforça a cobrança pela contratação de novos profissionais. “Contratar com urgência recursos humanos para os Caps: Psiquiatra, Terapeuta Ocupacional, Psicólogos, Enfermeira, Auxiliar de Serviços, Auxiliar de Escrita. A saúde mental opera de maneira precária no município por falta de RH; Momento determina urgência dado o que ocorreu na semana atual, com 4 casos de suicídios”, finaliza o documento.
SERVIÇOS OFERECIDOS PELO MUNICÍPIO
De acordo com a Prefeitura, há diferentes serviços ofertados para o tratamento de saúde mental no município, com acolhimento em porta aberta (sem agendamento), de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h. São eles:
- Unidades da Atenção Primária em Saúde – 54 unidades;
- Caps Conviver (maior de 18 anos) – rua Marquês de São Vicente, 322 – Jardim Maria Izabel – Tel: (14) 3434-2037;
- Caps Catavento (menor de 18 anos) – rua Alcides Nunes, 1.100 – Jardim Esplanada – (14) 3451-1660;
- Caps AD (Álcool e Drogas) – avenida Santo Antônio, 1.669 – Centro – (14) 3434-2549;
Serviços agendados (com encaminhamento e vaga gerada pela Atenção Básica):
- Policlínica Zona Oeste;
- AME Unimar;
- ASM Famema;
Com funcionamento 24 horas:
- Pronto-socorro do Hospital de Clínicas (para urgências e emergências) – rua Doutor Reinaldo Machado, 255 – Fragata.
GRUPO DE PREVENÇÃO AO SUICÍDIO
A cidade também conta com o Grupo de Prevenção ao Suicídio de Marília, que oferece palestras, rodas de conversas e atendimento psicológico social. São 40 profissionais voluntários, a maior parte psicólogos.
“Nós trabalhamos muitos casos vindos do HC, pós tentativa de suicídio, e com famílias que sofrem por duas a três gerações com a incidência do suicídio. É um trabalho para prevenção de outros casos. Para cada suicídio consumado, temos uma média de 25 tentativas. Se a gente cuida com acolhimento e escuta especializada, conseguimos prevenir que aconteça. As pessoas ao redor precisam estar alertas ao sinais, como isolamento e algumas falas que indicam esse sofrimento existencial”, afirma a psicóloga e coordenadora do grupo, Luciana Handa.
Luciana salienta que o investimento na área de saúde mental é de suma importância, “a fim de proporcionar preventivamente esses cuidados à população em sofrimento social. Sabemos que o suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial, com muitas causas e acometimento psíquico em diversas áreas: social, biológica, psicológica, espiritual, familiar, cultural, econômica, etc. Toda e qualquer melhora em políticas públicas nessas áreas citadas consegue amenizar e prevenir a incidência de suicídio em uma população”, conclui.
O grupo também possui um projeto de Acolhimento aos Sobreviventes Enlutados por Suicídio, que trabalha com os familiares e amigos que perderam pessoas queridas por suicídio.
Por conta da pandemia, o serviço, que era oferecido em grupo, agora funciona de forma individual (ou on-line).
Para outras informações dos projetos, basta entrar em contato pelo WhatsApp. O novo número é o (14) 9 8173-8246 [clique aqui para iniciar uma conversa].
FALTA DE PROFISSIONAIS
Com relação à demora no atendimento e a falta de profissionais, a Prefeitura de Marília informa que está em processo para a contratação de mais psiquiatras e psicólogos para aumentar o quadro. Segue a nota na íntegra:
“Sobre o atendimento psiquiátrico nos Caps, caracteriza-se como o principal serviço para tratamento especializado em saúde mental, no qual os usuários contam com equipe multiprofissional (enfermeira, terapeuta ocupacional, assistente social, fisioterapeuta, médicos e outros). Todos os pacientes inseridos nos grupos dos Caps têm acesso ao atendimento médico psiquiátrico com consultas individuais. Salientamos que o tratamento apenas com o médico psiquiatra não é indicado na maior parte dos transtornos mentais e por este motivo os Caps não têm esse perfil.
Quanto à demanda e o número de vagas, todos os usuários que procuram o serviço são acolhidos e passam por avaliação multiprofissional. A demanda atual é de aproximadamente cinco acolhimentos/dia em cada um dos Caps. Os usuários com agravamentos psíquicos avaliados em moderados a graves dão seguimento do tratamento nos Caps. Os avaliados como leves dão seguimento na Atenção Primária. Atualmente, há um processo aberto para a contratação de cinco psiquiatras para a rede.
Na Atenção Primária em Saúde, atualmente há 14 psicólogos atuantes. O quadro de RH da rede está incompleto, porém, os profissionais faltantes constam no concurso já publicado.
Contamos ainda com a ficha Sinan para monitoramento dos dados de tentativas de suicídio.”