SP deveria decretar emergência por dengue nas próximas semanas, dizem especialistas
Mesmo com a velocidade no aumento de casos e mortes por dengue no estado de São Paulo, a gestão Tarcísio de Freitas empurra a decisão de decretar situação de emergência em saúde pública, medida tomada por pelo menos 11 cidades paulistas Registro, Iepê, Marília, Botucatu, Jacareí, Pindamonhangaba, Pederneiras, Bariri, Guararema, Suzano e Taubaté.
De acordo com o painel de monitoramento da dengue, desenvolvido pela SES (Secretaria Estadual da Saúde), até esta sexta-feira (1º), o estado já havia confirmado 127.978 casos da doença e 27 mortes.
Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu, explica que o estado de São Paulo já reúne as condições para a situação de emergência, como o número de casos novos e a superlotação nos serviços públicos de saúde.
“O decreto é necessário principalmente para que sejam alocados recursos. Muito provavelmente o estado de emergência vai ser decretado nas próximas semanas”, comenta o infectologista.
“A principal preocupação agora é a questão do atendimento das pessoas. O pior momento da dengue ainda vai acontecer, principalmente nas últimas semanas de março e começo de abril. Então, a situação ainda vai piorar e precisa ser criada uma rede de emergência. Qual é a preocupação agora? É atender todo mundo e atender rápido. O tempo de atendimento significa a vida”, afirma Barbosa.
Entre os fatores importantes numa situação de emergência, Alexandre Naime também cita o manejo, ter profissional capacitado para o momento. “Dengue é uma doença de todo médico, não é do especialista, não é do infectologista, é uma doença que qualquer médico que está na atenção básica ou na emergência precisa saber manejar. E isso demanda recursos”, ressalta.
Álvaro Furtado, diretor da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), tem o mesmo entendimento. “O estado de São Paulo está perto de decretar emergência. Muito provavelmente, nas próximas semanas. Eu trabalho em alguns hospitais privados aqui em São Paulo. É nítido, pelo menos nas últimas semanas, o aumento percentual de pacientes internados em enfermarias com diagnóstico de dengue. Você tinha, na média, no mês de janeiro, de um a dois casos, então agora você começa a ver 30% na enfermaria do hospital privado com dengue, nos hospitais públicos também. E mais nas UPAs, nas unidades de atendimento, nos postos de atenção primária”, afirma Furtado.
“A emergência é declarada quando o volume de casos está começando a sobrecarregar o serviço de saúde. É preciso montar um plano de contingência. Primeiro, para começar a atender e ter estrutura para atender esses pacientes, senão eles podem morrer. E outra coisa: você centraliza os esforços e investimentos em dinheiro para combater mosquito [Aedes aegypti]e tentar diminuir um pouco o impacto da epidemia”, explica o diretor da SPI.
No dia 28 de fevereiro, a reportagem questionou a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde a respeito do decreto de emergência. Em nota, o órgão disse que monitora o avanço da dengue e que no estado e o coeficiente de incidência critério do Ministério da Saúde para a classificação da doença em relação à população estava abaixo de 300 (nesta data, chegava a 234 casos por 100 mil habitantes). Quando a incidência supera 300 é considerado epidemia.
Para Barbosa, neste cenário, o coeficiente de incidência não é o quesito mais importante a ser observado.
“Primeiro, o coeficiente de incidência estadual não reflete situações regionais. Vários municípios já declararam a situação de emergência. Quando você dilui todas as cidades do estado de São Paulo, algumas estão precisando de alocação de recursos do governo estadual, outras não. Então esse número não é uniforme”, diz Barbosa.
“Segundo, o coeficiente de incidência não reflete a falta de atendimento, tanto de capacitação quanto de vaga. Nossos hospitais já estão superlotados. Na cidade de São Paulo, ontem [quinta-feira] acabaram os testes de diagnósticos de dengue”, afirma. A Secretaria Municipal da Saúde disse que adquiriu 400 mil novos tstes. Em caso de desabastecimento pontual devido à alta procura, será feito o remanejamento entre as unidades da região.
A pasta também citou a criação do COE (Centro de Operações de Emergências) e as ações do Plano de Contingência das Arboviroses Urbanas. O governo paulista repassou R$ 205 milhões para os 645 municípios paulistas combaterem as arboviroses, entre as quais, a dengue. Além disso, o Exército e a defesa civil vão atuar juntos na eliminação dos criadouros do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença.
“Quando observamos as ações que estão sendo feitas e muitas delas são corretas, elas já se assemelham muito a um decreto de situação de emergência, ou seja, nós já estamos vivendo essa situação de emergência em termos práticos, em termos de ação. Assumir esse estado de emergência é o que não foi feito ainda”, explica Alexandre Naime Barbosa.
No dia 29 de fevereiro, em resposta ao novo questionamento, a secretaria afirmou que a circulação de sorotipos, a incidência de outras arboviroses, a situação epidemiológica e assistencial, e a quantidade de municípios em epidemia também eram critérios levados em consideração na decisão de decretar emergência por dengue. A gestão Tarcísio reafirmou que ainda não havia nada programado.
Três dos quatro sorotipos da dengue circulam no estado. Segundo o Painel de Monitoramento de Arboviroses do governo federal, em 2024, São Paulo teve aumento de 110,8% nos casos de chikungunya, até 29/02. Passou de 359 em 2023 para 757 neste ano.
Durante coletiva de imprensa nesta sexta, a secretária Estadual da Saúde em exercício Priscilla Perdicaris disse que a situação de emergência está sendo avaliada semana a semana pelo COE.
“Nós já temos um plano de contingência, um plano de trabalho pronto para caso seja necessário seja a decisão tomada em consenso pelo COE, nós consigamos fazer isso em um curto espaço de tempo”.
Por email, a assessoria de imprensa reforçou a informação: “não houve atualização sobre a situação de emergência”, diz a nota.
Na opinião de Maria Anice Mureb Sallum, professora do departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora do mestrado profissional em entomologia, os municípios estão perdendo o controle e a situação se agrava com o aumento de casos, inclusive graves, mortes e comprometimento dos sistemas de saúde.
“Medidas de controle como eliminação de criadouros das fases aquáticas pode ser efetiva se existirem técnicos em entomologia de campo em número suficiente e apoio da população. A eliminação dos adultos com adulticidas também é necessária, pois o comportamento alimentar do mosquito favorece a transmissão dos arbovírus”, finaliza Sallum.
A professora explica que alguns fatores devem ser considerados para decretar estado de emergência: quando a incidência permanecer em ascensão por quatro semanas consecutivas e/ou ocorra notificação de caso grave suspeito ou suspeita de óbito por dengue; quando o número de casos notificados para o ano ultrapassar os do limite máximo com transmissão sustentada de acordo com o diagrama de controle e/ou ocorra um aglomerado de óbitos suspeitos por dengue; quando o número de casos notificados para o ano ultrapassar os do limite máximo com transmissão sustentada de acordo com o diagrama de controle e de mortalidade por dengue nas últimas quatro semanas for maior ou igual a 0,06/100 mil habitantes.
Por PATRÍCIA PASQUINI