Somos Todos Moro
Seja bem-vindo à coluna de hoje, caro leitor!
Dizem que o Brasil não sofre com terremotos. Eu não teria tanta certeza. É notório que a nossa pátria amada e idolatrada tem passado por chacoalhões envolvendo escândalos no exercício da ética nos últimos tempos. É na balança das ruas que o ponteiro tem levantado em condições nunca antes vistas e imaginadas, alcançando números superiores a atos como as Diretas Já. Bandeiras empunhadas, antes guardadas para as copas e as tintas verde e amarela tem estampado o rosto da nossa nação. De um lado, um patriotismo esguichando e que respinga no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. De outro, a cor vermelha representada pela histórica luta e pela ideologia voltadas aos trabalhadores e às engrenagens do sistema. Juízes deliberando condutas, advogados, opiniões diversificadas… O país está fervilhando. Mas o que será que está por trás das manifestações das últimas semanas? O que será que está por trás da boca do povo?
Olhando para os lados, parece que todo mundo é sabido: uns estudaram muitos anos para serem contrariados, outros mandam estudar história. Tem uns que são grandes empresários, nos dizendo para tentar manter uma empresa nesse momento de crise econômica. Tem gente bastante inteligente de ambos os lados, mas será que isso tem a ver com o intelecto e com a escolaridade? Creio que não, caro leitor, mas não pretendo aqui discursar sobre posicionamentos políticos. Não é esse o intuito da coluna. Então qual é o problema, Leonardo? Para tentar facilitar a reflexão, vamos retomar as nossas regrinhas:
Regra 1: Não estamos em completo comando de nossa mente.
Regra 2: Vamos abstrair. A nossa mente é composta de representações.
Regra 3: Talvez não pareça, mas a mente é bem complexa.
Regra 4: Na mente, coisas contraditórias podem coexistir.
Vamos pensar na lua. Assim como a lua, nós temos um lado claro, visível a olho nu. Características fáceis de encontrar e que assumimos sobre nosso jeito de ser. No entanto, possuímos um lado escuro que não enxergamos. É um lado da nossa personalidade que pouco conhecemos, mas que lá está de alguma forma. Um lado que guarda segredos e partes que não podem ser vistas. É o local onde moram as coisas condenáveis como, por exemplo, os desejos de poder, tendências impróprias, memórias contrárias a padrões sociais, invejinhas, entre outras coisas. Em geral, guarda coisas condenáveis, típicas do ser humano e que não podem aparecer (regrinha nº1).
Ora, quem nunca desejou pegar a maior fatia da pizza? Pois bem, para além da inteligência ou do estudo, penso o problema está em pensar que o mal está sempre no outro. É o famoso maniqueísmo (doutrina que considera dois princípios opostos, o do bem e o do mal – www.michaelis.uol.com.br).
Psiquicamente, os outros passam a ser não sujeitos inteiros, humanos, com qualidades e falhas; mas somente aqueles que ameaçam, o lado de lá. Como se cada um de nós fizesse parte do lado das peças claras, imaculadas e angelicais do jogo de xadrez. E isso é inconsciente (olha a regrinha nº1!). Creio que a grande questão pode estar em algo do nosso mundo interno que chamarei de Sombra e que é um conceito criado pelo suíço Carl G. Jung, fundador da Psicologia Analítica.
Há uma tendência sedutora em acreditar que somos limpos e benevolentes o suficiente e que sempre temos justificáveis motivos e fins perfeitos por excelência. Projetamos nossa sombra no outro com tamanha facilidade como numa simples tela de cinema (regra nº1). E então para nós, nos tornamos o que há mais certo e belo, como bons Narcisos – ver coluna do dia 28 de janeiro.
Assim acabamos nos tornando ótimos juízes, distribuindo julgamentos e deliberando condenações (condena-ações) a quem quer que seja. No entanto, se vasculharmos os porões da mente humana encontraremos alguns dejetos na memória e fantasias. Penso que isso serve de base psíquica para o julgamento dirigido ao outro. Porém, se dermos a cada homem o que merece, quem escapará ao açoite? – aqui, me refiro a William Shakespeare, que em 1603, já escrevia sobre a Lava-jato e sobre cada um dos brasileiros e suas sombras, atualmente (Shakespeare, Hamlet, ato dois, cena dois).
Por fim, para além da via certo-errado, a coluna de hoje tratou dos possíveis meandros da mente que envolvem as manifestações nas ruas. O povo brasileiro está dolorido, mas é preciso pensar a Sombra do coletivo envolvida nas manifestações. Do ponto de vista psicológico, penso que o melhor trabalho político e social que podemos fazer talvez seja, como diria Jung, parar de projetar nossas Sombras nos outros. Penso que o desafio é esse, num país onde todos se tornam Sérgio Moro.
Um abraço e até a próxima coluna!