Sobreviventes da Chapecoense falam sobre tragédia
Quase nove meses depois de sobreviverem à maior tragédia da história do futebol, Alan Ruschel, Neto e Jackson Follmann detalharam as lembranças do acidente aéreo de novembro do ano passado, na Colômbia. Ao site “The Players Tribune”, utilizado para publicação de histórias de esportistas em primeira pessoa, relataram nesta quarta-feira as memórias ainda vivas daquele dia e da recuperação, comentaram a tristeza pela morte dos amigos e a incredulidade com o ocorrido.
“Ainda parece que não é verdade. Parece que todo mundo foi viajar e que eles vão voltar. Eu, Neto e Alan falamos muito sobre isso. Tudo vai voltar ao normal. Nós vamos voltar e jogaremos juntos novamente”, comentou Follmann. “Eu lembro que, alguns meses atrás, Neto e eu estávamos jogando videogame. Nós estávamos falando como os nossos colegas de time costumavam jogar. O Neto me disse: ‘Cara, parece que eles ainda estão aqui’ E então, nós ficamos muito tristes. Aqueles momentos em que você percebe que eles realmente foram embora são muito dolorosos”, contou Ruschel.
Durante boa parte da publicação, os três jogadores contaram como viveram os últimos minutos antes da tragédia. Na madrugada do dia 28 para 29 de novembro, o avião que levava a delegação da Chapecoense – além de alguns profissionais de imprensa – para a decisão da Copa Sul-Americana, diante do Atlético Nacional, na Colômbia, caiu nos arredores de Medellín. O acidente deixou 71 mortos e apenas seis sobreviventes, entre os quais, os três jogadores do clube.
“Eu chamei o Alan para sentar perto de mim no avião. Somos grandes amigos há mais de dez anos, vivíamos juntos boa parte do tempo. Mas nos voos para os jogos, o Alan gostava de sentar no fundo para ficar esticado nos três assentos e dormir. No voo para a Colômbia, Alan estava no fundo, como de costume. Eu estava sentado sozinho, então eu chamei para que ele ficasse do meu lado. Não sei por que, mas eu fiquei insistindo. Então, finalmente ele veio. E daí, 30 minutos depois, tudo aconteceu”, contou Follmann.
Se o Alan Ruschel e Follmann estavam lado a lado, Neto viveu os últimos minutos do voo de forma mais solitária, rezando em voz alta para que deus impedisse que o pesadelo que ele tivera dias antes se tornasse realidade.
“Eu sonhei que ia acontecer. Poucos dias antes, eu tive um pesadelo terrível. No dia da viagem para o jogo final, eu não consegui tirar o pesadelo da minha cabeça. O sonho era tão vívido, estava martelando na minha mente. Então, eu enviei uma mensagem para a minha mulher do avião. Eu disse a ela para orar a deus e pedir para ele me proteger daquele pesadelo. Eu não queria acreditar que aquilo iria acontecer, mas pedi para que ela orasse por mim. Então, eu vi todas as coisas daquele sonho se tornarem realidade.”
Passados quase oito meses, os três sobreviventes tentam retomar a vida normal enquanto buscam respostas para o ocorrido. Alan Ruschel teve a recuperação mais rápida e inclusive voltou a vestir a camisa da Chapecoense em amistoso diante do Barcelona. Neto já retornou aos treinos, mas ainda precisa de cuidados antes de atuar. Já Follmann teve parte da perna direita amputada e precisou abandonar o futebol.
“Eu só me recordo do psicólogo do hospital ter aparecido no quarto e, a certa altura, ter dito: ‘Houve um acidente e o avião explodiu. Todos morreram. Você sobreviveu, mas nunca mais vai poder jogar futebol’. Quando ele disse isso, todos os flashes começaram a voltar para mim. Pensei em todos os meus amigos, e foi muito, muito triste. Então, minha família me contou que eu tinha perdido a perna direita. Quando eles disseram isso, minha primeira reação foi: ‘Melhor minha perna do que minha vida. Graças a deus, eu ainda estou aqui'”, disse Folmmann.
A felicidade por terem sido protagonistas de um “milagre”, como eles próprios definiram, só é ofuscada pela lembrança dos ex-companheiros que se foram. “O momento mais difícil foi quando o acidente começou a ficar mais fixo na minha cabeça. Quando comecei a melhorar e não estava mais sedado, passei a perceber que as pessoas que eu amava não estavam mais lá. Eu era muito próximo do Danilo, nosso goleiro, da sua esposa, Letícia, e do seu filho, Lorenzo. Quando eu realmente percebi que o Danilo tinha ido, foi o momento mais doloroso para mim. O Danilo foi um cara muito especial na minha vida, e eu penso nele todos os dias”, contou Alan.
“Nós não queremos deixar as pessoas esquecerem daqueles que se foram. As pessoas que morreram são heróis. Perder tantos amigos, pessoas que eram filhos, que eram pais, que eram irmãos… É muito difícil de entender tudo isso. Por que tudo isso aconteceu? Poderia ter sido evitado”, completou Follmann.