Sacolas plásticas foram criadas para salvar o planeta
O título até surpreende, mas é real: Raoul Thulin assim disse em uma entrevista ao jornal on-line britânico “The Independent” em 2019.
Raoul é filho do engenheiro sueco Sten Gustaf Thulin que, em 1959, inventou as sacolas de polietileno – as populares sacolinhas plásticas de compras.
Qual a lógica? Ora, as sacolas plásticas são uma alternativa às sacolas de papel e essas dependem da matança de várias árvores, muitas árvores – florestas imensas – para que existam. Além disso e para compensar uma pela outra, a de papel precisaria ser utilizada quatro vezes ou mais para emitir menos carbono que uma plástica.
Mas, e as de algodão? 173 vezes.
Só pela pegada de carbono, portanto, 1 a 0 a favor da famosa sacolinha plástica.
Além disso, a alternativa criada por Sten Gustav é extraída das sobras do petróleo que seriam despejadas na natureza – preocupação e cuidados com sustentabilidade e meio ambiente 53 anos antes da 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 27, que começou no último domingo (6).
Impermeável, durável, leve e resistente: 1.000 sacolas plásticas pesam médios 8,4 quilos; 1.000 sacolas de papel pesam 51 quilos, ocupando volume oito vezes maior.
Incômodos sete a zero pros alemães. Favoráveis pro sueco.
Eficientes e baratas, é aqui que a virtude se faz vício: abundância – estima-se que o mundo utilize entre 500 bilhões e um trilhão de sacolas por ano.
No Brasil, dados do Ministério do Meio Ambiente informam que consumimos 1,5 milhão de sacolinhas plásticas por hora. Isso mesmo: por hora.
Talvez por esse motivo, esta bolsinha plástica fez o caminho inverso ao da borboleta: de maravilha tecnológica, sai da crisálida como um problema climático causado por nós, humanos, contrariando a ideia original do inventor que sempre mantinha uma no bolso, dobrada, porque eram (e deveriam continuar sendo) reutilizáveis.
Hoje, ocupamos a terrível 4ª posição dentre os maiores produtores de lixo plástico no mundo. Enquanto espécie, afogamos a flora e a fauna marinhas em dez milhões de toneladas de plásticos todos os anos, visíveis nas praias do planeta (61% são canudos, garrafas PET, sacolas, copos e embalagens plásticas) e brasileiras (95% do lixo recolhido).
Considerando essa tragédia, nosso Legislativo municipal aprovou a Lei nº7.281, em 2011, determinando que todos os estabelecimentos privados e órgãos públicos substituíssem sacolas plásticas e sacos plásticos de lixo por sacolas ecológicas e sacos de lixo ecológicos.
Imediatamente, amplo debate se iniciou: juristas consideraram que alguém havia contrariado a Constituição Federal, suspendendo seus efeitos até que chegassem a uma conclusão.
Após repercutir nacionalmente e debater de forma ampla, na semana passada o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a lei é, sim, constitucional e tem prazo de 12 meses para entrar em vigor. Caso encerrado.
Atenção no detalhe: a lei foi publicada em 22 de julho de 2011. A decisão do STF foi emitida em 19 de outubro de 2022.
Mais de 11 anos depois. Com outros 12 meses para que os envolvidos possam se adaptar.
Sabedoria é atributo adequado à idade e, não por acaso, não se concede papéis de velho a jovens, nem de mãe a meninas: a maioria dos ministros acompanharam o relator Luiz Fux na sábia concessão desse prazo – a pedra que pode apoiar a alavanca da justiça local: é prova de maturidade aproveitá-la para ampliar a consulta junto à comunidade e, quem sabe até, para rever a lei.
Até 2011, data da aprovação, as informações e estudos sobre materiais plásticos eram inferiores aos disponibilizados hoje. A isso, some-se que a principal fonte doutrinária utilizada pela corte é de 2007: Revista Ciências do Ambiente On-Line, v. 3, n. 1.
Nesse sentido, recentes estudos mostram mais, indo além: certificam que as sacolinhas plásticas, aparentemente tão frágeis, carregam até 5.000 vezes o seu próprio peso. Considerados seus ciclos de vida, são mais sustentáveis nos indicadores de consumo de energia, de água, na emissão de gases de efeito estufa, no aumento de ácidos em forma de gás na atmosfera, na qualidade do ar e na formação de ozônio do solo, além de interferirem menos no crescimento excessivo de algas e plantas aquáticas nas águas.
Traduzindo: nestes indicadores, a sacola de papel é 13 vezes mais nociva que a sacola plástica (estudo do Instituto de Pesquisa do Meio Ambiente da Escócia).
Relatório da Agência Ambiental da Inglaterra, em 2011, mostra que essas esbeltas maravilhas tecnológicas se saem melhor em oito dos nove critérios de impacto ambiental, justamente por serem muito mais leves e usarem menos matérias-primas.
A Organização das Nações Unidas (ONU), em seu Programa para o Meio Ambiente de 2020, trata especificamente do descarte e concluiu que materiais plásticos nos aterros sanitários, por um longo período de tempo, não se transformam química, biológica ou fisicamente: são inertes, portanto.
Em resumo, seu relatório fecha assim: “um sistema de gerenciamento de resíduos dominado por aterros controlados terá menores impactos para o plástico durante o ciclo de vida, e um sistema de gerenciamento de resíduos dominado pela incineração de resíduos terá menores impactos para sacos de papel. Ou seja, aterro para o plástico, incineração para o papel.”
Temos aterro sanitário em Marília. Portanto: plástico é a melhor solução sob a ótica da ONU.
Reciclar é uma opção? Não temos usina de reciclagem em nossa cidade e, mesmo que a tivéssemos, reciclar sacolas e sacos plásticos ainda está longe de ser uma boa solução tecnológica: sua pouca espessura complica os procedimentos operacionais e eleva excessivamente os custos.
Além disso, os critérios para que uma lei funcione, para que tenha adesão do povo, precisam ser sistêmicos: tal a uma teia de aranha, tudo se interliga, conecta-se e seus efeitos impactam fortemente em todas as partes e direções.
Como exemplo, o estado americano de Nova York: na mesma linha de Marília e pelos mesmos motivos, o legislativo baniu as sacolas plásticas. Veio a sombra tenebrosa da Covid e, com ela, descobriu-se que sacolas plásticas de uso único tinham menor capacidade de transmissão do vírus – são mais higiênicas e fáceis de higienizar. Resultado: recuaram e até hoje são distribuídas gratuitamente por lá.
Temos muito mais conhecimento hoje que em 2011, ano da publicação da lei, e tantas outras soluções que possam orientar melhor nossos representantes do Legislativo, nossa sociedade civil e nossos cidadãos quanto ao horizonte que queremos enquanto coletividade.
Precisamos deixar as boas intenções de lado e, dialogando civilizadamente, sermos mais propositivos, garantindo resultados concretos: isso só é possível com conhecimento, números e dados.
Só proibir e obrigar por força de lei desconsidera característica básica tipicamente humana: mudar hábitos exige transformação neuroplástica do cérebro, facilitada quando as pessoas compreendem os motivos reais e necessários da mudança quando participam ativamente dela.
O contrário é corpo de lesma sem vida e tomado de parasitas.
Mais programas orientados à educação, somados a peças publicitárias nos veículos de comunicação e de mídias sociais, e; cobrança de valor mínimo por sacola plástica fornecida pelos supermercados e demais comércios são boas práticas já adotadas em outras localidades que podem se prestar como ponto de partida a contribuir para uma Marília ainda mais sustentável.
O meio ambiente e as gerações futuras, desde já, agradecem.
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Marcos Boldrin
Ex-secretário municipal do Meio Ambiente e da Administração. Urbanista, arquiteto e coronel da reserva