Rombo no Ipremm torna reforma da Previdência pauta urgente em Marília
O Instituto de Previdência do Município de Marília (Ipremm) deveria ter em caixa mais de R$ 200 milhões, para assegurar, sem atropelos, as aposentadorias e pensões. Poderia estar administrando ativos, em investimentos seguros, para manter as futuras gerações de servidores municipais.
Esse cenário foi desenhado há exatos dez anos, na avaliação atuarial de 2011 (ano base 2010), quando o Instituto completava duas décadas. Na época já apresentava dificuldades devido aos atrasos dos repasses previdenciários da Prefeitura e decisões pautadas pela política, ao invés do compromisso técnico.
Agora, com um patrimônio que não passa de R$ 8 milhões, o Ipremm depende de um plano de recuperação que vai exigir aportes cada vez maiores da Prefeitura, com pontualidade no repasses da cota patronal (a cada mês) e pagamento dos débitos que já estão parcelados.
Depende também de uma reforma urgente, a exemplo do Regime Geral (Instituto Nacional de Previdência Social), que obteve um avanço com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 06) em 2019.
A mudança na lei é um remédio amargo para o servidor, mas necessário para adequar a exigência de tempo de contribuição à nova realidade na tábua de mortalidade do país, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 20 anos, a expectativa de vida do brasileiro aumentou em dez anos.
Só a combinação entre gestão responsável e reforma poderão garantir ao Ipremm os R$ 2 bilhões para garantir o pagamento das atuais aposentadorias e as futuras, considerando o número atual de servidores ativos.
Os valores devem ser atualizados com a avaliação atuarial de 2020, com base nos dados de 2019 – o que ainda não foi feito. O prazo vai até 31 de março. O estudo anual é complexo e trabalha com os recursos disponíveis.
Pirâmide etária
O Instituto que gere o Regime Próprio de Previdência em Marília tornou-se deficitário após desperdiçar o período em que as contribuições superaram com folga o pagamento das aposentadorias. Proporcionalmente, havia muito mais servidores jovens na ativa, contribuindo, do que aposentados e pensionistas a serem pagos a cada mês.
Em dez anos o número de benefícios praticamente dobrou. Os benefícios já superam as contribuições e para piorar, o patrimônio do Ipremm (cerca de R$ 8 milhões) não cobre nem a folha de pagamento de um único mês.
São necessários pelo menos R$ 10 milhões mensais para pagar os 2.022 benefícios, entre aposentadorias e pensões.
Fundos
O Ipremm é formado por dois fundos. A divisão foi feita em 2003, por conta dos cálculos atuariais feitos na ocasião, que mostravam que o modelo adotado anteriormente – um único fundo – era insustentável e quebraria em pouco tempo.
Um dos fundos é o chamado financeiro, para funcionários admitidos até 2003. Este tem um déficit crescente, com muitos beneficiários aposentados enquadrados e proporcionalmente poucos contribuintes. Ou seja, a conta não fecha. O déficit é bancado pela Prefeitura.
O outro fundo, chamado capitalizado, é para quem ingressou no funcionalismo após 2004 e ainda é superavitário, já que desde então são muito mais funcionários ativos do que inativos. Esse valor que “sobra”, porém, não pode ser utilizado para pagar o déficit do fundo financeiro.
O valor excedente do fundo capitalizado deveria ir obrigatoriamente para investimentos em aplicações, com o objetivo de garantir a sustentabilidade do Ipremm no futuro e possibilitar o pagamento dos funcionários a partir de 2004. Trata-se de uma determinação do Ministério da Previdência.
No entanto, de acordo com a presidente do Ipremm, Mônica Regina da Silva, cerca de R$ 56 milhões que já chegaram a ser acumulados no fundo capitalizado foram utilizados entre 2015 e 2016 para custear o fundo deficitário, o que seria irregular.
Nesse período a administração também teria deixado de cumprir com os outros repasses sob sua responsabilidade.
Dívida
Em 2017, com o fundo capitalizado praticamente zerado, o prefeito Daniel Alonso (PSDB) denunciou haver um rombo próximo de R$ 200 milhões no Ipremm. Desde aquele ano a Prefeitura assumiu os pagamentos dos benefícios.
Atualmente a cota previdenciária patronal da Prefeitura gira em torno de R$ 4 milhões por mês. Além disso o município paga parcelamentos da gestão Daniel Alonso e anteriores e ainda aporta recursos suplementares.
Mesmo mantendo a folha de pagamento, entre abril e dezembro do ano passado, a Prefeitura acumulou uma dívida de R$ 38 milhões com a previdência própria. Os beneficiários não foram afetados (de forma imediata) pela falência do Instituto, mas a dívida persiste e cada vez pesa mais no orçamento do município.
Pedido de autorização de parcelamento (dos R$ 38 milhões) está na Câmara Municipal, mas teve pedido de vistas do vereador Junior Féfin (PSL). Em sua justificativa, o Executivo apontou que está adimplente com outros acordos já assinados e tem mantido as aposentadorias.
A dívida previdenciária da Prefeitura de Marília triplicou em 2020, saindo de R$ 20,2 milhões em dezembro de 2019 para R$ 65,6 milhões no último mês do ano passado. Os dados foram publicados no Diário Oficial do município nesta quinta-feira (18).
Alíquotas
A Câmara Municipal, que decidiu ampliar a discussão sobre o parcelamento (não aprovado ‘de primeira’), terá em breve uma pauta bem mais extensa relacionada ao Ipremm. A expectativa é que a Prefeitura encaminhe em breve o projeto de reforma do Regime Próprio – ajuste de alíquotas e aumento do tempo de contribuição.
As duas medidas são impopulares e vão exigir ‘jogo de cintura’ da base governista, além de articulação para convencer vereadores eleitos sob influência da oposição a assumirem a responsabilidade com a previdência.
Atualmente a alíquota paga pelos servidores é de 11%. A Reforma da Previdência do Regime Geral, em 2019, já prevê que os gestores de regimes próprios alterem a alíquota para até 14% (progressiva) para os servidores da ativa. A Prefeitura deve passar a contribuir com 18% sobre os salários.
Quanto ao tempo de contribuição, as mudanças podem aproximar o Regime Próprio do INSS. Atualmente, em Marília, ainda valem as idades mínimas de 55 anos para mulheres e 60 para homens, com aposentadorias especiais para professores.
Especialmente nesse item – geralmente o mais polêmico – ainda há um longo caminho a ser percorrido, entre o texto que o Executivo mariliense deve enviar à Câmara e a redação final, após os debates no Legislativo.
Nova realidade
Quanto à necessidade de reforma, a presidente do Ipremm, Mônica Regina da Silva, é taxativa. “É a única maneira de recuperar o Ipremm ou qualquer outra previdência. O servidor não gosta, mas não existe outro caminho. E não é só para Marília não. Não existe outro caminho para nenhuma outra cidade do Estado”, afirma.
O presidente da Associação Paulista de Entidades de Previdência (Apeprem), Daniel Boccardo, afirma que pelo menos 95% dos órgãos municipais previdenciários no Estado de São Paulo já são deficitários.
Uma pequena parcela, porém, está em situação crítica e praticamente tiveram as obrigações assumidas pelas Prefeituras, em geral, causadoras das crises.
“É preciso que ocorram as reformas e acredito que esse ano, pelo aspecto político, seja o mais propício. Do ponto de vista técnico, já deveria ter sido feita há muito tempo”, afirma.
Daniel lembra que uma grande “perda de oportunidade” foi o engavetamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Paralela, que em 2019, na discussão da Reforma da Previdência do País, acabou não votada.
O texto previa a inclusão dos regimes próprios nos Estados e municípios. Se tivesse sido aprovada, o efeito cascata dispensaria que cada ente da federação e cidade com regime próprio passasse pelo processo, que pode ter armadilhas políticas e batalhas por privilégios.
“No ano passado os Estados acabaram fazendo (as reformas), em sua maioria, porque não tiveram uma disputa eleitoral em 2020, como aconteceu nas cidades. Creio que a questão política foi determinante para esse adiamento, que só tem ‘empurrado’ os órgãos de regime próprio previdenciário para a crise”, disse.
Atualmente, no Estado de São Paulo, 223 municípios tem Regime Próprio Previdenciário. Três estão em fase de extinção, ou seja, estão regressando para o INSS. Dos ativos, menos de 10% são equilibrados.
O Instituto de Indaiatuba – região de Campinas – é considerado modelo em São Paulo. “As contribuições foram ampliadas já no passado (alíquotas), bem antes dessa discussão que estamos tendo agora. Perceberam que a conta poderia não fechar e fizeram o que era necessário. Lá há um histórico de antecipação às mudanças, antes mesmo das legislações”, explicou o presidente da associação que representa os Institutos.
Sindicato
Para o Sindicato dos Trabalhadores nos Serviços Públicos Municipais de Marília (Sindimmar) a situação do Ipremm exige reforma votada pela Câmara, mas principalmente, pontualidade do município com os repasses e obrigações, incluindo os parcelamentos. Exige ainda um plano de reestruturação.
“Acompanhamos a situação. Desde que essa diretoria assumiu, temos acompanhado, participado das reuniões do Conselho de Administração do Ipremm e cobrado, desde o começo, um plano de reestruturação”, disse Luciano Cruz, secretário da entidade.
Segundo ele, parcelamentos e vendas de área públicas, “nem de longe resolvem o problema”.
“Não é solução de médio longo prazo. A reforma é necessária, não há como dizer que não. Está colocada na própria lei, o município tem prazo pra fazer, já ultrapassado”, aponta.
Luciano cobra, porém, que a reforma observe, além das novas alíquotas, direitos dos trabalhadores, como aposentadorias especiais que abrangem, por exemplo, servidores da saúde.
“Essa reforma também não será solução do Ipremm. A melhor reforma é a Prefeitura honrando todos as transferências que são devidas ao Ipremm, para não prejudicar as próximas gerações. Senão, a reforma também é paliativa”, disse o sindicalista.