Represa de Guarapiranga, em São Paulo, tem praias privadas e disputa por espaço
A folga do vendedor Gustavo Soares, 24, estava planejada há semanas. A ideia era ir para Itanhaém, no litoral sul de São Paulo. Em cima da hora, seu destino inicial foi cancelado por falta de dinheiro, mas ele deu um jeito. Morador do Grajaú, no extremo sul da capital paulista, encontrou uma praia –de água doce– a 10 minutos de casa.
Por volta das 13h, pisou na praia do Sol, às margens da represa de Guarapiranga. Estava acompanhado da esposa, filha, cunhada, dois sobrinhos e uma caixa de som, carregada como criança de colo. “Quem não tem cão, caça com gato, né? Bora curtir o que está à disposição”, disse.
Devido ao calor, dezenas de famílias tiveram a mesma ideia. No início da tarde, as cadeiras de plástico colocadas próximas da água estavam lotadas. De biquínis e shorts, os presentes alternavam muitos goles de cerveja, petiscos e alguns mergulhos.
Para isso, porém, deviam percorrer um caminho repleto de vendedores de amendoim, lama e lixo. Já a água é limpa –segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), aquele trecho é próprio para banho. Há outras partes da represa, porém, em que isso não acontece.
Uma placa do Corpo de Bombeiros avisa aos usuários sobre os perigos de nadar em uma represa. Há muita vegetação no chão, que pode enroscar nos pés. Além disso, deve-se evitar nadar próximo de pontos de captação, evitar os jet skis e ter atenção à profundidade. O solo é desnivelado.
A praia do Sol está num parque municipal, que leva seu nome. O equipamento, aberto diariamente das 7h às 19h, ainda possui quadras de areia para prática de vôlei e beach tennis. Sua região de instalação, a avenida Atlântica, na Capela do Socorro, está repleta de outras opções de lazer.
O crescente interesse turístico no entorno da represa estimulou a inauguração de bares e restaurantes imitando o clima litorâneo. Eles contam com suas praias particulares –nem todas liberadas para banho, mas muito atrativas pela paisagem, repleta de aves marinhas e barcos a vela. Há duas grandes marinas por ali.
Alguns desses restaurantes e bares têm fila de carros aos fins de semana para desfrutar de seus guarda-sóis e porções de frutos-do-mar.
Tantos estabelecimentos, porém, incomodam alguns frequentadores da represa e pequenos comerciantes. Essa parcela reclama que a área de acesso livre está cada vez menor, que o restante dos lugares cobram preços altos e que há um processo de gourmetização da região.
“Isso aqui tá bem apertado, né? Tem pouco espaço para se divertir e para trabalhar”, diz a ambulante Fernanda Ambrósio, 37. Ela vende sacolés na entrada da praia do Sol.
Fernanda questiona a necessidade de tantos comércios fechando o acesso à represa. Para ela, aquela margem de 6 km poderia ser o “piscinão” de São Paulo, atraindo muita gente e gerando ainda mais empregos. “Imagina só, quiosques, ambulantes, vendedores de pipas. Seria tipo o Rio.”
A ideia é apoiada por outras pessoas, como a advogada Flávia Guedes, 40. “Essa exploração de grandes comércios é chata”, diz ela, que criou um grupo de moradores que cobra mais investimentos do poder público na região. “A Guarapiranga será privada agora?”, diz ela. “[Querem] Expulsar o povão, já sem opção para se divertir por aqui”.
Há também quem curta as opções de comes e bebes por ali. É o caso do aposentado Ismael Santos, 45. Ele pondera que a maior oferta de bares e restaurantes atrai a vida noturna e aquece a economia da região. “Vem muitos jovens, gastam muito, é bom”, afirma.
A presença de bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais no entorno da represa é permitida por lei. Cabe à Prefeitura de São Paulo fazer a fiscalização.
Procurada, a gestão municipal informou que os estabelecimentos possuem o direito de usufruir do seu lote, obedecendo às normas de edificação e uso e ocupação do solo, sendo permitida a cobrança para entrada em seu espaço privado –ou seja, em suas praias.
Os acessos particulares à represa sempre existiram. Durante muito tempo, porém, eles foram restritos aos clubes. Há alguns com sede naquelas margens. Um deles é o Clube de Campo do Castelo.
A reportagem visitou o local, com piscinas, quadras de tênis e parque náutico disponíveis. Isso desembolsando R$ 11 mil num título, mais R$ 750 de manutenção ao mês. Com tais opções, os sócios não cogitam chegar perto da represa, e nem podem.
Segundo o clube, sua margem do reservatório, a poucos metros da praia do sol, está imprópria para banho devido à poluição pelo despejo de esgoto. Eles usam dados da Cetesb. A opção, continua o Castelo, é aproveitar um passeio de barco ou só curtir a paisagem.
Há décadas, a ONG Nossa Guarapiranga alerta para o problema de saneamento nos arredores da represa, surgido por ocupações irregulares. Isso está “comprometendo a qualidade de água, que se tornou um meio propício ao desenvolvimento de uma vegetação flutuante que está tomando conta da represa”, afirma a entidade.
O gramado aquático é composto de plantas cientificamente chamadas de macrófitas, como aguapé, salvínia e alface-d’água. Ela prejudica a vida submersa por impedir a passagem da luz.
Por BRUNO LUCCA