O que é indispensável para descobrir o mundo?
Semanas atrás recebi uma ligação do meu amigo Sugar Ray, coronel da reserva da Polícia Militar e cientista social, que me passou uma missão: escrever sobre o Dia da Consciência Negra com um enfoque para nossa Marília. Como aprendi com o próprio Sugar que missão dada é missão cumprida, passei os últimos dias pensando sobre o assunto.
Me peguei lembrando de “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado (1912-2001), e me encantando com aquele enredo, principalmente no trecho em que um dos personagens após investigação genealógica para artigo científico descobre que o rival dele na trama e ele possuem ancestrais em comum. A partir daí, o personagem trata o oponente de “primo”, afinal são da mesma família.
Sim, somos todos da mesma família e se você que estiver lendo esta crônica for brasileiro de sangue e alma, saiba que corre na suas veias e no seu espírito o gene de três etnias que se fundiram para nos gerar: o negro, representado pelos nossos ancestrais que foram tirados à força da África e embarcados com muita dor e sofrimento em porões de navios negreiros para o trabalho degradante nas terras da América; o europeu, representado pelos vorazes e destemidos portugueses, gente de muita coragem e inteligência aguçada, que não pensava duas vezes antes de embarcar nas caravelas para os negócios intercontinentais de um mundo rústico e agressivo, e o índio, representado pelas nações nativas deste chão que conheciam e conhecem tão bem a floresta, os animais e a força da natureza.
A síntese da formação da gente brasileira é tão ampla e profunda que me faz voltar para os primeiros trechos da Bíblia Sagrada – trazida para as novas terras da América portuguesa pelos navegantes de “Os Lusíadas” – no capítulo 15 de Gênesis, quando o patriarca Abrão, é tocado por Deus, que Lhe diz: “Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas, se és capaz… Pois bem, assim será a tua descendência”.
Somos descendentes de uma só raça: a raça humana, a mesma que gerou Abrão e os filhos de Israel, bem como a que povoou toda África que têm as bênçãos de Aruanda ou as dos filhos nativos que comungam da fé ensinada pelos xamãs das florestas.
Certa vez, na faculdade, me chegou às mãos um exemplar da revista Caros Amigos. Naquela época não sabia que dois dos grandes jornalistas que fizeram história nesta publicação e no Jornalismo brasileiro, Mylton Severiano e José Arbex Júnior eram nascidos em Marília.
Uma das entrevistas daquela edição era com um advogado, o José Vicente. Naquela reportagem, Vicente então relatava a sua infância, passada com muito sacrifício e privações em Marília. Anos depois, José Vicente ajudou a fundar a Universidade Zumbi dos Palmares e atualmente é reitor desta instituição.
Assim como Mylton Severiano e José Arbex Júnior, José Vicente é mariliense. Quarta-feira (24), acompanhei uma ótima live no Instagram com a presença do reitor José Vicente, enviei um abraço desde Marília para ele. O professor gostou da mensagem e retribuiu com um belo sorriso a lembrança de alguém de sua terra natal.
Reproduzo uma das falas mais impactantes de José Vicente nesta live: “A educação é indispensável e importante para descobrir o mundo”. Com educação de qualidade e incentivando o acesso da população negra ao Ensino Superior, José Vicente combate a intolerância e está ajudando a construir a igualdade em nosso Brasil.
Para encerrar a crônica desta semana, deixo como indicação o filme: “Educação” (2020), com direção e roteiro de Steve McQueen (cineasta que tem o mesmo nome do astro de Hollywood dos anos de 1960 e 1970).
O longa de 63 minutos passou na noite de segunda-feira passada na Globo. E uma mensagem de José Vicente para todos os jovens brasileiro: “Jovens: tenham compromisso com sua comunidade e com seu país. Saibam que com educação e conhecimento é possível se enxergar de forma autônoma. E onde houver injustiça, é preciso se levantar. Nunca abram mão do saber”.