Um verdadeiro oceano de paciência
Aconteceu num sábado à tarde, em frente à antiga estação rodoviária de Marília, na região central da cidade. Havia sido convidado para fazer a cobertura jornalística de uma reunião política. De fato, seria um encontro suprapartidário, com lideranças de várias correntes do pensamento político: com expoentes da direita, da esquerda e do centro.
Sentei-me numa cadeira e logo chegou com sua serenidade e sorriso afável o oftalmologista Oswaldo Doreto Campanari. Doreto, que nos deixou na segunda-feira (26), aos 91 anos, já me conhecia como repórter. A primeira vez que estive com ele foi no consultório que mantinha na rua Bahia, no quarteirão anterior ao do viaduto. Levei minha esposa para uma consulta e ficamos parte do tempo falando sobre faroestes. Descobri que o nosso deputado constituinte, assim como eu, era um enorme fã do “cowboy” John Wayne.
Ao longo dos meus 22 anos como repórter em Marília realizei várias entrevistas com o líder que, ao lado de grandes expoentes da política nacional, ajudou a escrever e promulgar a Constituição Federal de 1988. Também estive na residência dele acompanhando os vereadores da 19ª Legislatura, quando lhe entregaram o comunicado oficial da medalha de mérito cívico “Marília de Dirceu”.
Doreto Campanari, que exerceu com elevado espírito público e muita dignidade, as funções de vereador, deputado estadual e deputado federal, foi a 31ª pessoa da cidade a receber a “Marília de Dirceu”. A sessão solene aconteceu no final de março de 2019.
“Franco Montoro ficou semanas aqui em casa, descansando certa vez. Gostava muito de ler, passou boa parte da temporada lendo”, me contou. Franco Montoro foi governador de São Paulo no período em que o mariliense esteve no Congresso Nacional representando Marília e região.
Naquele sábado à tarde, em frente à antiga rodoviária, como havia a efervescência da ebulição de muitas correntes ideológicas diferentes num mesmo espaço, naturalmente algumas farpas e faíscas saíram. Uma delas escapou e veio parar bem mim, único representante da Imprensa no local.
Reagi dizendo que se aqueles insultos continuassem – e vinham de um radical – iria registrar um boletim de ocorrência, pois ali eu estava como um repórter e não como ativista deste ou daquele partido. Os ânimos se acalmaram, Doreto, que presenciou a discussão incabível desaprovando tudo, me pegou pelo braço e levou para o outro lado. Olhou bem para os meus olhos e disse: “Na política é preciso ter um copo de ciência, um barril de prudência e um oceano de paciência. Não esqueça disso, é paciência”.
Quando o jornalista Eduardo Reina esteve em Marília para o lançamento do livro “Cativeiro sem fim – As histórias dos bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura militar no Brasil”, no ano de 2019, em noite de autógrafo realizada na biblioteca, sentei-me ao lado do deputado Doreto e juntos acompanhamos o resgate histórico descrito minuciosamente por Reina. Doreto jamais deverá ser esquecido por Marília e pelo Brasil.