Quatro barragens da Vale em Brumadinho seguem em áreas de alto risco, diz estudo
A partir de uma nova forma de medir os riscos de rompimento de barragens, pesquisadores da Unesp e de instituições de Minas Gerais e Portugal descobriram que 4 das barragens da Vale ainda presentes na cidade de Brumadinho estão localizadas em áreas de alto risco.
O estudo teve como objetivo criar graus de vulnerabilidade geomorfológica para a bacia do Ferro-Carvão, que tem 3.265 hectares. Foi nessa região onde ocorreu o rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão da Vale, em Brumadinho, há cinco anos.
O trabalho foi feito dentro do termo de compromisso firmado entre a Vale e o Ministério Público de Minas Gerais após a tragédia de Brumadinho, que matou 270 pessoas. Três ainda não foram localizadas.
A geomorfologia se dedica ao estudo dos elementos que compõem a superfície terrestre, considerando os fatores que levaram à formação do relevo. Para empregá-la na avaliação de risco de barragens, os autores consideraram, por exemplo, a presença de corpos hídricos na região das barragens, a variação do relevo em que a estrutura é instalada e a capacidade de drenagem do terreno, entre outros.
“Aspectos geomorfológicos têm a ver, por exemplo, com a declividade do terreno e com a quantidade de cursos d’água que uma bacia hidrográfica pode ter. Uma bacia mais declivosa ou com mais cursos d’água transporta mais água quando ocorre precipitação e, portanto, o risco geomorfológico do local é maior”, explica Fernando Pacheco, um dos autores do estudo e professor convidado na pós-graduação em agronomia da Unesp.
De acordo com os pesquisadores, esses aspectos geralmente não são analisados por estudiosos, mineradoras ou pelos órgão estatais responsáveis por classificar os riscos das barragens de rejeito.
“Quando se cria essas barragens, o que normalmente se faz são estudos geotécnicos para ver a resistência da rocha no local. Trata-se de estudos necessários para saber se os encostos da barragem aguentam ou não os rejeitos, mas também é necessário olhar a bacia hidrográfica envolvente”, afirma Pacheco.
Segundo ele, áreas planas ou com menos cursos d’água seriam mais seguras para abrigar barragens. “Isso porque quando há eventos extremos de precipitação essa água pode acabar passando no lugar onde está a barragem e, com isso, a estrutura vai estar numa situação de risco”, explica.
O estudo dividiu a bacia do Ferro-Carvão em 36 unidades de resposta hidrológica, a fim de identificar os parâmetros do comportamento da água em cada setor. Com base nas características encontradas, eles analisaram indicadores de vulnerabilidade e os classificaram de 1 a 5 de acordo com a sua gravidade.
Assim, aquelas áreas que tiveram, na soma dos seus indicadores, resultados entre 15 e 20 foram classificadas como de risco alto e aquelas que tiveram valores superiores a 20, como de risco muito alto.
A unidade onde estava a barragem B1 da Vale, por exemplo, teve saldo 17 e foi classificada como de risco alto. Ainda foram classificadas como unidades de alto risco outras 12 unidades, sendo que três delas abrigam quatro barragens da Vale. São elas: BVII, BVI, Menezes 1 e Menezes 2 -a primeira, aliás, está numa região com risco superior ao da B1.
O estudo ainda analisou que as barragens BIV e BIVA são as únicas que estão em áreas de baixo risco, ainda que elas também tenham colapsado em 2019. De acordo com Pacheco, o rompimento delas se deu por consequência do rompimento da B1 e não, necessariamente, por problemas específicos de suas áreas.
O trabalho se concentrou na avaliação das barragens localizadas na bacia do ribeirão Ferro-Carvão. Os pesquisadores, porém, destacam o fato de que na bacia do rio Paraopeba existem mais de 50 barragens que também podem estar sujeitas aos mesmos riscos geomorfológicos.
No Brasil, cabe à ANM (Agência Nacional de Mineração) a classificação dos riscos das barragens. Hoje no país, segundo o órgão, há 64 barragens listadas como de risco alto. Mas, como as metodologias utilizadas não são exatamente as mesmas criadas pelos pesquisadores do estudo em questão, a classificação pode variar.
A ANM, por exemplo, classifica como de baixo risco todas as barragens que, de acordo com os pesquisadores, estariam em áreas de alto risco -inclusive a BVII, que segundo o estudo está em área de risco superior ao da própria B1, que rompeu em 2019.
Em nota, a ANM disse que mede, sim, a geomorfologia das regiões e que essa análise é entregue pelas mineradoras. “As barragens com dano potencial alto devem fazer seu Processo de Gestão de Riscos para Barragens de Mineração (PGRBM) como parte integrante da gestão e da tomada de decisão, integrado nas operações e processos relacionados às barragens de mineração. O PGRBM deverá conter a identificação, análise, avaliação e classificação dos riscos, utilizando metodologias reconhecidas nacionalmente e internacionalmente”, diz.
Procurada, a Vale afirmou que as barragens BVII, BVI, Menezes 1 e Menezes 2 não estão em nível de emergência e que estão estáveis e possuem declaração de condição de estabilidade emitida por empresa externa.
“Importante ressaltar que as quatro estruturas, sendo uma usada para contenção de rejeitos (BVI) e três para contenção de sedimentos, não foram construídas pelo método a montante, como era o caso das duas barragens que se romperam [Mariana e Brumadinho]”, acrescenta. A empresa vem, desde a tragédia de Brumadinho, encerrando as operações de suas barragens a montante -em 2020 uma lei proibiu esse tipo de estrutura no país.
O governo de Minas não respondeu questionamentos da Folha de S.Paulo sobre o estudo.
De acordo com Maria Teresa Cristina Pissarra, uma das autoras do estudo, alguns elementos da geomorfologia da região são mais sensíveis para o aumento do risco da construção de uma barragem.
Ao jornal da Unesp ela destacou a construção dessas estruturas sobre áreas de nascente. Nesses casos, o risco decorre do fato de que essas regiões costumam naturalmente apresentar fendas geológicas que colaboram para o acúmulo de água. Por isso, os pesquisadores recomendam a instalação desses empreendimentos a jusante e em áreas de baixo declive.
Na prática, porém, a escolha do local que abrigará a barragem envolve muitos outros fatores, conforme explica Thiago Metzker, doutor em ecologia pela UFMG e consultor ambiental da Amig (Associação Municípios Mineradores de MG e do Brasil).
“A geomorfologia é, sim, analisada, mas não com essa metodologia e esse crivo que os pesquisadores colocaram. Geralmente, a definição de uma barragem é feita com base no ponto de vista de proximidade de onde está se extraindo o minério. Quanto mais longe a barragem está do empreendimento, maior será o custo de transporte. É uma questão de custo-benefício para as mineradoras”, diz.