Proposta de Bolsonaro ameaça poder de Moro
O presidente Jair Bolsonaro iniciou um movimento que pode esvaziar o papel que o ministro Sérgio Moro tem desempenhado à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O risco é calculado por Bolsonaro, que admite contrariar o ex-juiz, retirando da pasta as políticas de combate à criminalidade, uma das principais atribuições da área e que reúne resultados positivos até aqui. Interlocutores já aconselharam Moro a deixar o governo caso ocorra a mudança.
Se Bolsonaro repetir o modelo de Ministério da Segurança Pública de seu antecessor, Michel Temer, Moro perderia o comando da Polícia Federal, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), os três órgãos mais importantes da sua pasta. Ficaria responsável apenas por questões relacionadas a conflitos indígenas, direito do consumidor e outros assuntos de menor protagonismo.
A popularidade de Moro supera a do presidente em pesquisas recentes e seu nome passa a ser cotado como eventual candidato à Presidência. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira, o ministro disse que o candidato do governo é Bolsonaro, mas refutou assinar um documento se comprometendo a não disputar a vaga.
Com a divisão da Justiça, o presidente ainda teria mais condições de impor sua vontade. Ele tentou no ano passado, por exemplo, trocar o superintendente da PF no Rio e ameaçou demitir o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, mas recuou diante da resistência de Moro e do desgaste que causou o embate com o ministro.
Questionado sobre o assunto nesta quinta-feira, 23, Bolsonaro disse que a divisão das pastas é demanda de secretários estaduais, com quem se reuniu na quarta-feira, 22, no Palácio do Planalto (mais informações nesta página). “É comum (o governo) receber demanda de toda a sociedade. E ontem (quarta-feira) os secretários estaduais da Segurança Pública pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança. Isso é estudado. É estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado com os demais ministros”, afirmou o presidente.
Para embasar seu movimento, Bolsonaro disse que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já travou embates com Moro, concorda com a recriação da pasta da Segurança.
Contradição
O presidente deixou claro que, caso decida recriar o ministério, Moro seguiria no comando da Justiça – sem citar que a pasta ficaria completamente esvaziada. Segundo ele, o convite para o ex-juiz integrar o governo, em 2018, foi feito antes de se pensar na ideia de formar um “superministério”. “Se for criado, aí o Moro fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir (a Justiça) com o Ministério da Segurança”, declarou Bolsonaro nesta quinta.
A afirmação, no entanto, contradiz o que o próprio presidente falou ao anunciar a entrada do ex-juiz da Operação Lava Jato no governo. “O juiz federal Sérgio Moro aceitou nosso convite para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Sua agenda anticorrupção, anticrime organizado, bem como respeito à Constituição e às leis será o nosso norte!”, escreveu Bolsonaro, no Twitter, no dia 1.º de novembro de 2018.
Inicialmente, a avaliação entre auxiliares do presidente era de que Bolsonaro falou o que os secretários gostariam de ouvir, mas ainda não tomou uma decisão. As declarações desta quinta, porém, acenderam a luz amarela. No Palácio do Planalto, a medida enfrenta resistência do vice-presidente Hamilton Mourão. “Sou contra, mas quem decide é o presidente”, disse. Um dos nomes cotados para assumir a eventual pasta é o do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que é próximo de Bolsonaro.
A quem procurou Moro nesta quinta-feira para tratar do assunto, o ministro respondeu: ‘silêncio”.
Opção escolhida entre cinco sugestões
O presidente Jair Bolsonaro recebeu de secretários estaduais de Segurança Pública cinco sugestões para políticas na área em reunião realizada na quarta no Planalto. De todas elas, ele falou publicamente de apenas uma – a divisão do Ministério da Justiça, com a recriação da pasta da Segurança Pública.
A opção de destacar a demanda mais polêmica chamou atenção dos próprios secretários, que viram na iniciativa um endosso de Bolsonaro à proposta.
“O presidente anotou, disse que ia avaliar e, no momento oportuno, nos daria uma resposta sobre todos os pontos da pauta. O assunto principal não foi o ministério, foi a questão de recursos”, disse o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, presidente do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp).
De acordo com Barbosa, a demanda pelo Ministério da Segurança Pública é uma pauta de toda a cadeia de trabalhadores do setor e de amplo conhecimento desde antes da posse de Bolsonaro na Presidência.
Além da recriação do ministério, os secretários pediram a Bolsonaro o fim do contingenciamento do Fundo Nacional de Segurança Pública; soluções para o bloqueio de celulares nas unidades prisionais; isenção de IPI para a compra de equipamentos de segurança pública; e a unificação dos sistemas estaduais de identificação de criminosos.
Segundo relatos dos secretários, eles souberam que Bolsonaro iria recebê-los, às 16h, durante uma reunião do Consesp. Passaram então a deliberar sobre a pauta que seria entregue ao presidente. A recriação do ministério “venceu” por 12 votos a nove. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, não foi convidado para o encontro.
Os representantes de São Paulo e Minas se manifestaram contra a volta da pasta. O entendimento dos paulistas foi o de que a separação representaria um enfraquecimento de Moro, com quem o governo avalia ter bom relacionamento desde que João Doria (PSDB) transferiu a cúpula da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para presídios federais. O Estado mandou à reunião o secretário Youssef Abou Chahin.
Para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), governadores e secretários da área se ressentem de declarações em que, segundo eles, Moro colhe os louros dos resultados positivos da área sem ter, na visão do grupo, contribuído. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.