Projeto para servidores gera desgaste entre poderes
A intenção do governo do prefeito Daniel Alonso (PSDB), de adiar os descontos de empréstimos consignados para servidores públicos por três meses, devido à pandemia, foi mesmo para o fundo da gaveta. A definição sobre o polêmico Projeto de Lei veio nesta terça-feira (2) após análise da Procuradoria da Câmara e recuo governista.
No final, somente os bancos saíram no lucro, com a garantia de que os empréstimos serão descontados dos servidores e pagos em dia pela Prefeitura, com ou sem pandemia.
O prefeito não conseguiu ver implementada a sua proposta. A Câmara, onde as demandas dos servidores pipocam sem parar – salário sem reajuste e plano de carreira arquivado – acabou sem o bônus de aprovar o alívio no contracheque dos trabalhadores.
O episódio só serviu para mais faíscas entre o assessor especial Alysson Alex Souza e Silva e o presidente da Câmara, Marcos Rezende (PSD).
Foi o presidente da Casa, ex-líder governista, quem alertou os colegas vereadores para o risco do projeto ser classificado como benefício e acabar melando as candidaturas à reeleição. O tropeço coletivo, a menos de 180 dias das eleições, poderia gerar a inelegibilidade em massa.
Rezende apontou um ofício, datado de 7 de abril e assinado pelo promotor estadual José Alfredo de Araújo Sant’Anna, em que o Ministério Público de São Paulo notifica o presidente da Câmara para que “não dê prosseguimento e nem permita a votação, em 2020, de projetos de lei que ensejem a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios a pessoas físicas ou jurídicas”, tendo em vista a proibição da lei eleitoral.
Nesta terça-feira, na nota em que comunicou a retirada do projeto, a resposta do governo foi um tom acima: “o assessor de governo, Alysson Souza e Silva, disse ‘que lamenta a postura de um ou dois vereadores oportunistas que sequer conseguem interpretar um ofício do MP e desconhecem da lei’”.
A nota do Executivo apontou um horizonte aos servidores. “A Câmara dos Deputados apresentou PL 1154/20 e deve contemplar os servidores, pois não se trata de benefício e estamos em uma pandemia que caracterizou o estado de calamidade pública.”
Conforme havia anunciado, Rezende buscou o parecer da Procuradoria da Câmara Municipal, que apontou a impossibilidade da Casa analisar a matéria.
O procurador Daniel Alexandre Bueno encontrou vício de iniciativa – quando o autor não tem competência para legislar sobre a matéria – e conflito com a legislação eleitoral vigente, que impede qualquer forma de benefícios salariais, diretos e indiretos, para funcionários públicos em ano eleitoral.
“Correríamos o risco de impugnação de nossas candidaturas e como, presidente, responder até por improbidade”, disse Rezende ao Marília Notícia no início da noite desta terça-feira.
Mais cedo a Câmara Municipal também respondeu, em nota, à provocação do assessor jurídico-político de Daniel Alonso.
“Confesso que esperaria do assessor de assuntos estratégicos Alysson Souza e Silva uma postura em defesa do prefeito Daniel Alonso, principalmente em mantê-lo juridicamente elegível e não o colocando sob risco de improbidade administrativa e até deixá-lo inelegível ao enviar para o Legislativo projeto de Lei desta natureza”, disse o presidente, no comunicado oficial.
Rezende afirmou ainda que, “claramente (o projeto) fere a legislação eleitoral. Ao mesmo ponto, colocando uma ‘armadilha’ para que os 13 vereadores da Casa incorressem em equívoco e, consequentemente, sofressem as consequências jurídicas da inelegibilidade”.
O MN procurou o promotor José Alfredo de Araújo Sant’Anna, que preferiu não comentar a retirada do projeto legislativo, nem a abrangência de sua “recomendação”. Ele também não se posicionou se a aprovação da matéria, que daria anistia aos servidores com empréstimo consignados, poderia ferir ou não a legislação eleitoral.