Procura por frango cresce em Marília e carne bovina vira luxo
O cupim assado – aos fins de semana – fazia sucesso na casa do mestre de obras mariliense Roberto Francisco dos Santos. Entretanto, faz um ano que o prato não é mais servido. Neste domingo (24), a mesa terá asinhas de frango com batata, assadas e no capricho.
Uma blitz do Marília Notícia por alguns açougues da cidade, neste sábado (23), constatou preocupação dos comerciantes, baixa presença de clientes, busca por opções mais baratas para mistura e poucas pessoas comprando cortes para churrasco.
Promoções anunciam como vantajosas carnes de frango a R$ 19 e suína a R$ 16, uma situação inimaginável há alguns meses.
O mestre de obras Roberto afirma que, para ele, não tem faltado obras, mas a família decidiu priorizar. Um dos gastos que não deixam de fazer é a escola particular da filha. Com isso, a alimentação teve que mudar.
“Em casa é frango e suíno, o que tiver mais em conta. Não vou comprar carne de boi no preço que está e acho que todo brasileiro deveria fazer o mesmo. Se parar de vender, quero ver se o valor não abaixa. É uma questão até de respeito ao nosso dinheiro, ao nosso esforço diário”, protesta.
Também mestre de obras, Luciano Galletti conta que o churrasco ficou bem mais raro. Neste sábado, ele comprava espetinhos em um açougue na zona Norte. Mudaram os cortes e a frequência. “Subiu demais. Assar carne só de vez em quando. No dia a dia é frango e carne de porco”, diz.
A auxiliar de produção Luana de Souza trocou a churrasqueira pelo fogão. “Estou levando carne moída. O prato de fim de semana vai ser arroz de forno”, revela.
Com 34 anos de experiência no mercado de carnes, o empresário Milton Ferreira de Menezes afirma que o varejo sentiu bruscamente uma mudança no padrão de consumo. “A carne para churrasco a pessoa vem e leva três, quatro quilos. Quando compra para mistura do dia, é um ou dois quilos”, explica.
Apesar de perceber a queda no movimento dos açougues, é otimista. “Acho que algo que pode favorecer é a melhora na pandemia. As pessoas estão saindo de casa, recebendo visitas, então penso que é uma questão de tempo”, arrisca.
Os preços altos já excluíram alguns consumidores. É o caso da aposentada Zeni Rodrigues, de 85 anos. Neste sábado (23), ela achou barato o preço do tomate no açougue, por R$ 7,90, por ter visto o mesmo produto, em um supermercado, por R$ 9.
“É só legumes, verduras. Eu faço batata frita, mandioca, gosto bastante. Não dá para comprar carne por causa do preço. No fim de semana, eu saio de casa, vou visitar uns parentes. Acabo comendo [carne] na casa dos outros, mas na minha casa não dá mais. Não compro”, resume.
MIÚDOS DE FRANGO
Aumentou, segundo o gerente de açougue José Gonçalves Pereira, a procura por miúdos de frango e retalhos de carne, que são acompanhados de gordura e tecidos fibrosos.
Um quilo de pé da ave sai por R$ 7,90, mesmo preço do pescoço. “Não mexemos no preço, decidimos manter. Na verdade, [manter] a maioria dos preços. Se aumentar, não vende”, afirma o gerente, que administra uma casa de carnes na zona Norte de Marília.
ALTO PADRÃO
Com quase 40 anos de experiência neste mercado, Kléber Fabosse tem um açougue voltado para o segmento premium na zona Leste da cidade. A saída dos produtos – cortes nobres, muita carne embalada e embutidos mais sofisticados – é impactada pela disposição, ou não, das pessoas se confraternizarem.
Fabosse analisa o mercado com cautela e não esconde a preocupação. “Nunca vi um período pior. Acho que vários [são] fatores influenciando. Muitas pessoas que compravam com a gente e sabemos que tiveram perdas na família, por causa da pandemia. Na nossa família, por exemplo, perdemos sete pessoas”, conta.
O empresário acredita que, apesar do relaxamento de muitas regras sanitárias, os hábitos sociais estão longe do normal, anterior à pandemia. “Quando teve auxílio, muitos açougues lotaram, principalmente nas periferias. Eu não senti esse aumento, porque a maior parte do meu público não teve benefício. Pelo contrário, seguraram os gastos”, comenta.
A esperança de Fabosse e de outros comerciantes, além dos consumidores, é que o país possa sair do ambiente de crise e reaquecer o consumo.
“Acredito que o brasileiro é um povo muito consumista. Acaba tendo um lado bom nisso. Se a gente pegar um momento mais favorável, não precisa de muito para o povo [que tiver dinheiro] sair gastando. Isso gera emprego e o país começa a andar de novo”, arrisca.
PREÇOS VÃO CAIR?
Analistas econômicos não têm essa certeza. Depois do embargo a carne brasileira pela China, houve queda dos preços no atacado e no campo, mas essa redução não chega ao consumidor final.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o preço no atacado teve ligeira queda porque uma parte do que seria embarcada para a Ásia foi despachada para o mercado interno.
Segundo o analista da Safras & Mercado – consultoria líder do agronegócio brasileiro – Fernando Henrique Iglesias, o movimento foi recente. Por isso, a maioria da carne bovina ainda está parada em câmaras frias nos frigoríficos e em contêineres em portos, sem previsão de destino.
“Essa queda pode chegar ao consumidor, mas não na mesma proporção do atacado. Movimentos de alta de preço são repassados de forma mais agressiva pelo varejo. Mas, quando são de baixa, não é assim… Estes repasses acabam sendo mais discretos. É um perfil do negócio”, conclui Iglesias.
Quer receber notícias no seu WhatsApp? Clique aqui! Estamos no Telegram também, entre aqui.