Pirataria colocam futuro do Telegram em xeque
Apesar da bolha que parece se romper em relação ao Telegram, ainda existem muitas questões em relação à permanência dos usuários no aplicativo a longo prazo. Embora o Big Brother Brasil (BBB) leve milhares de pessoas aos grupos de informações, ainda é difícil prever quantos deles vão ficar pela plataforma, afirma Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio).
“Ainda existe a dúvida do quanto as pessoas que estão usando o Telegram para se engajar em grupões de BBB vão passar a usar o app para suas comunicações do dia a dia. O Telegram funciona muito bem para aglomerar, mas certamente não é o app mais recomendado para trocar mensagens sobre questões íntimas ou sua vida profissional”.
O principal motivo de desconfiança passa por questões de segurança e por direitos autorais, no caso dos grupos. Isso porque os chats do app não possuem a famosa criptografia de ponta a ponta, como WhatsApp e Signal, o que o coloca um degrau abaixo em relação à privacidade.
A criptografia de ponta a ponta permite que a conversa seja visível apenas para as pessoas incluídas nas mensagens, o que impede a interceptação e o monitoramento do conteúdo. Com a tecnologia, a empresa provedora do app não pode quebrar esse código para visualizar as informações. É o que falta no Telegram — o recurso está disponível apenas no ‘chat secreto’, uma ferramenta do app que precisa ser acessada ativamente.
Outra barreira para o crescimento que influencia diretamente nos grupos do Telegram é a veiculação de mídias audiovisuais, que podem esbarrar futuramente em questões de direitos autorais. Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, afirma que para manter o número alto de downloads, a empresa terá de entender qual a relação de seus usuários com esse tipo de conteúdo externo.
“A gente ainda acha muito conteúdo em vídeo na íntegra e até agora parece que as pessoas não perceberam. Acho que esse é um obstáculo que o Telegram vai se deparar uma hora ou outra. A partir do momento que os grandes players de mídia perceberem o que está sendo feito, o grande desafio da rede, se quiser investir nessa seara de se transformar em um substituto do Facebook ou do próprio YouTube, vai ser fazer acordos de direitos autorais com esses players de mídia”.
Na quinta-feira, 11, uma decisão judicial em Israel acusou o Telegram de não impedir a pirataria no app, permitindo a livre circulação de músicas, vídeos e fotos. A justiça israelense proibiu a plataforma de oferecer meios para que esses conteúdos possam circular, o que pode envolver o bloqueio de grupos e canais no app.
Apesar da decisão valer juridicamente apenas em Israel, um precedente pode ter chegado ao Brasil. Os grupos no Telegram que se dedicam ao Big Brother Brasil 21 tiveram parte de seus conteúdos removidos por violação de direitos autorais da Rede Globo.
Em conversa com o Estadão, alguns administradores desses canais informaram que mais de 60 publicações saíram do ar somente nesta sexta-feira, 12, e que o bloqueio tem acontecido desde o dia 26 de janeiro. Procurado, a Globo não comentou diretamente o assunto. A nota do canal diz: “A Globo tem o constante compromisso de defesa dos direitos autorais. Participamos ativamente de ações de combate à pirataria, que causa danos e é passível de punição tanto nas esferas criminal, administrativa e cível”. Afirma ainda: “Utilizamos diversas ferramentas tecnológicas e estratégias de proteção ao nosso conteúdo”.
A questão da pirataria acaba virando um entrave até para o investimento de grandes marcas. Inagaki acredita que, se no futuro o app acertar acordos de direitos autorais com produtores, o Telegram pode se tornar uma alternativa viável para criadores de conteúdo publicarem o seu trabalho.
Por enquanto, o app ainda oferece prós e contras e se posiciona em um momento de transição no Brasil entre usuários e potenciais influenciadores. O uso restrito ainda deixa dúvidas se o app pode um dia alcançar o objetivo de competir com o WhatsApp por aqui.
“Se as pessoas estão migrando de espaço, é importante que elas tenham noção das diferenças. Tudo bem falar de temas de maneira mais descompromissada, temas que dizem respeito ao entretenimento. Mas para outras discussões, o Telegram não é o aplicativo mais recomendado”, explica Souza.