Pressões políticas trazem dúvidas sobre a Vale, mas ainda não afetam o preço da ação
O temor de que o governo aumente a pressão sobre os rumos da Vale passou a ser considerado nas avaliações sobre o valor das ações da companhia na Bolsa de Valores, embora não com tanto peso quanto a atividade econômica da China e previsões operacionais da empresa.
Na segunda-feira (4) o BTG Pactual decidiu rebaixar sua recomendação para a ação da Vale de “compra” para “neutra”, citando em relatório ruído intenso, “que se intensificou recentemente em meio a discussões do conselho sobre quem será o próximo CEO da empresa”. O corte na recomendação ajudou a pesar no papel da mineradora na terça (5), que recuou 1,56%.
As primeiras notícias de interesse do governo na cúpula da companhia começaram no ano passado, com a informação de que o governo articulava o nome do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para o comando da Vale.
O mercado não penalizou a ação da mineradora naquele momento. Um dia após a publicação da primeira nota sobre o assunto, no jornal O Globo, a ação da Vale subiu 0,21%, mesmo com uma queda de mais de 1% no preço do minério de ferro na China.
A notícia, então, foi corroborada por outros veículos ao longo dos meses seguintes, com novas informações. A situação escalou e causou bastante ruído e reação do mercado, até que a Folha adiantou que Mantega desistiu do cargo em um movimento articulado por Lula. Mas nos bastidores ainda há conversas de que o presidente da República articula para colocar um outro nome no comando da companhia.
O atual presidente, Eduardo Bartolomeo, que comanda a mineradora desde 2019, termina seu mandato em maio de 2024, mas sua recondução é possível. Sua substituição por outro nome, como pretende o governo, precisa ser aprovado pelo conselho de administração da empresa.
No último dia 15 de fevereiro, o conselho da Vale se reuniu para decidir a questão, mas os membros se mostraram divididos e a deliberação sobre o novo presidente foi adiada.
O conselho de administração da mineradora faz nova reunião nesta sexta (8), e a expectativa é que dê andamento ao processo de escolha por meio da consultoria, que já está contratada. Bartolomeo poderá participar da lista dos avaliados.
“A Vale tem sido alvo de um alto grau de ruído e pressão política ultimamente”, diz o relatório do BTG assinado pelos analistas Leonardo Correa e Caio Greiner.
“E, talvez mais importante, há uma clara divisão entre os membros do conselho sobre a direção futura da empresa, o que acreditamos ser preocupante para uma companhia com tantos desafios pela frente.”
Segundo o BTG, os riscos aumentaram recentemente, o que pressiona o potencial de dividendos da empresa e leva os analistas do banco a acreditarem que esses riscos “ainda não foram totalmente avaliados pelo mercado”.
De fato, desde as primeiras notícias sobre Mantega na Vale, em junho do ano passado, o preço das ações seguem praticamente iguais, no patamar dos R$ 66.
Na contramão do BTG, muitos bancos como Itaú, JPMorgan e Goldman Sachs deram pouca atenção para essa questão em suas análises recentes sobre a Vale, que focaram mais nos resultados da mineradora do quarto trimestre, divulgados há duas semanas.
“Há instituições muito otimistas e outras mais pessimistas, e isso é reflexo da situação complexa para definir quais seriam os próximos passos das ações da Vale diante de grandes incertezas no radar. O mercado deve aguardar movimentos mais concretos para tomar uma direção mais clara”, diz Apolo Duarte, chefe da mesa de renda variável da AVG Capital.
Ainda assim, algumas notícias sobre tentativas de influência do governo na Vale contribuíram para mexer pontualmente com as ações da companhia.
No dia 14 de agosto de 2023, por exemplo, o papel despencou mais de 3%, influenciado pelas dificuldades do setor imobiliário na China, mas também por notícias sobre a insistência de Lula para colocar Mantega na Vale.
Por outro lado, neste ano, no dia 26 de janeiro, um dia após a notícia de que o ex-ministro da Fazenda desistiu do cargo na mineradora, as ações saltaram 1,74%.
O mercado ainda tem dúvidas sobre o poder de influência de Lula na empresa, que diminuiu após o governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), reduzir participação na mineradora, inclusive zerando a posição que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tinha na Vale.
Empresa que foi privatizada em 1997 e não possui um controlador definido, hoje 73% do capital social da Vale está distribuído entre acionistas minoritários. Outros 8,7% estão nas mãos da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, que é a participação que cabe ao governo, dando-lhe direito a duas cadeiras do total de 13 no conselho de administração.
A empresa Mitsui&Co possui 6,3% das ações da Vale e a gestora americana BlackRock, 6%. Os 5,2% restantes dos papéis estão em tesouraria. Tirando as cadeiras desses dois últimos grupos, são sete nomes independentes no conselho da Vale.
Também têm cadeiras o banco Bradesco e o grupo Cosan, do empresário Rubens Ometto.
Mas mesmo se Lula não conseguir emplacar um nome para a presidência da Vale, parte do mercado teme que o governo prejudique a empresa.
“Hoje o receio dos investidores é de que o governo possa estar pressionando a Vale através de algumas medidas, que envolveriam as discussões sobre o acordo de indenizações do acidente de Mariana (MG), concessões de ferrovias e concessões de minas”, diz o analista de metais e mineração da Genial Investimentos, Igor Guedes.
“A suspeita é de que caso a Vale, representada pelo seu conselho, não ceda aos caprichos do governo, este por sua vez pode dificultar a vida da companhia”.
No dia em que o desastre de Brumadinho (MG) completou cinco anos, e em meio à ofensiva ainda para indicar Mantega no comando da Vale, Lula criticou a atuação da mineradora após a tragédia, que matou 270 pessoas.
“Hoje faz cinco anos do crime que deixou Brumadinho debaixo de lama, tirando vidas e destruindo o meio ambiente. Cinco anos e a Vale nada fez para reparar a destruição causada”, escreveu.
“É necessário o amparo às famílias das vítimas, recuperação ambiental e, principalmente, fiscalização e prevenção em projetos de mineração, para não termos novas tragédias como Brumadinho e Mariana”, completou.
CRISE NA CHINA E BALANÇO CORPORATIVO TAMBÉM PESAM SOBRE OS PAPÉIS
Além da pressão política sobre o comando da companhia, recentes sinais de desaceleração da economia chinesa e os resultados operacionais da companhia estão sendo monitorados por investidores – e influenciando ainda mais o preço dos papéis da mineradora.
“A demanda da China por minério tem um peso muito relevante na dinâmica da commodity. O setor imobiliário chinês, que é um grande consumidor de minério de ferro, está em crise e não vai mais pautar o crescimento do país. Essa dinâmica acaba impactando os preços da commodity, e isso também influencia os resultados da Vale”, diz Frederico Nobre, líder de análise da Warren Investimentos.
Na terça (5), por exemplo, a mineradora e empresas de siderurgia listadas da B3 registraram quedas após o governo chinês ter traçado uma meta de crescimento de 5% neste ano, mas não ter anunciado estímulos econômicos.
“O mercado está bastante cético, porque entregar um crescimento robusto sem estímulos pesados é difícil. Olhando para a construção na China, os investidores estão bastante pessimistas, e isso impacta diretamente o preço do minério de ferro. A expectativa para a Vale acaba ficando pior por conta desse cenário com a China”, diz Duarte, da AVG.
Na ponta positiva, no entanto, o último balanço financeiro da mineradora trouxe bons sinais e animou o mercado.
Apesar de ter registrado queda de 52% no lucro em 2023, a Vale conseguiu reduzir os custos operacionais de sua produção – que vinham pressionando os resultados – e apresentou Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) maior que o esperado pelo mercado. A distribuição de dividendos, de cerca de R$ 2,74 por ação, também agradou.
Em relatório sobre o balanço da mineradora, a Genial afirma que o mercado está subestimando a Vale, citando que as operações da companhia permanecem sólidas apesar das pressões de preços do minério de ferro. Os analistas dizem estar “menos pessimistas” sobre a demanda chinesa e mantêm recomendação de compra para a ação.
A Warren Investimentos também mantém recomendação de compra para o papel da Vale, afirmando que a ação ainda está descontada em relação ao minério de ferro e, por isso, tem potencial de valorização.
“Por mais que o noticiário recente envolvendo a Vale traga preocupações, entendemos que esse risco já está devidamente precificado. Apesar do cenário desafiador, há uma boa margem de segurança nos papéis da companhia”, afirma Nobre.