População de baixa renda é castigada com inflação de itens da cesta básica
Há dois anos, entrar em um supermercado e pegar um carrinho – para circular pelos corredores e fazer as compras – deixou de ser possível para a mariliense Kátia Maria Vilas Boas, de 42 anos. Uma simples cestinha já dá conta do que ela pode comprar.
O salário vem por semana. É quando ela vai às compras de olho nas ofertas. Haja malabarismo para substituir alimentos. A trabalhadora, que ganha cerca de um salário mínimo na lavanderia comunitária da zona Sul de Marília, vê com preocupação a alta nos preços dos itens básicos.
A inflação dos alimentos que compõem a cesta básica disparou em março no país. Pesquisadores do curso de economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) apuraram a marca de 20% de alta, no acumulado de 12 meses. Até o final de fevereiro, a elevação estava perto de 13%.
O salto aconteceu em contexto do clima adverso em regiões produtoras de alimentos, encarecimento do frete [puxado pelos combustíveis] e a guerra entre Rússia e Ucrânia.
A variação mais recente corresponde a quase o dobro do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em 12 meses até março, o índice geral acumulou inflação de 11,30%, a mais intensa desde outubro de 2003 (13,98%).
Inflação de alimentos básicos significa ainda mais dificuldades para quem tem menor poder aquisitivo. Kátia conta que, de 2020 até o final do ano passado, precisou de ajuda. Chegou a receber marmitas em uma associação do bairro para garantir o alimento em casa.
“Faz três meses que estou trabalhando na lavanderia e, graças a Deus, no momento, estou conseguindo fazer as comprinhas, mas não sobra nada. Moramos em uma casa cedida da minha sogra porque não dá mais para pagar aluguel”, conta.
O marido, segundo Kátia, era artesão em uma pequena fábrica de móveis. A empresa fechou. Com a crise, há três anos, ele tenta um trabalho fixo, mas não consegue. O casal sustenta uma criança de 11 anos. A jornada de 8h diárias da mariliense na lavanderia garante o básico dos alimentos.
“Tem época que passamos com macarrão porque não dá para comprar arroz e feijão na mesma semana. Açougue? A gente só passa perto. Sem condições de comprar carne. Eu tenho saudade do tempo em que dava para encher o carrinho, mas vamos vivendo na esperança de dias melhores”, diz.
INFLAÇÃO PERVERSA
De acordo com o economista Jackson Bittencourt, coordenador do curso de economia da PUC-PR, que detectou a alta recorde na cesta básica, o aumento é reflexo da combinação de fatores e castiga mais as famílias que têm renda mais baixa.
O primeiro fator, segundo o especialista, é o clima adverso em parte do Brasil nos últimos meses. Chuvas fortes no Sudeste e seca no Sul danificaram plantações. Os fenômenos extremos restringiram oferta e impactaram nos preços de parte dos 13 produtos da cesta básica.
Março também marcou a fase inicial dos reflexos econômicos da guerra entre Rússia e Ucrânia. O conflito aumentou as cotações do trigo, pressionando no Brasil os preços de alimentos como o pão francês, um dos componentes da cesta.
Por fim, a disparada dos combustíveis em março também gerou efeitos indiretos sobre os alimentos, de acordo com o professor. É que a inflação do óleo diesel eleva os custos com transporte de mercadorias, incluindo a comida.
“Uma inflação acima de 20%, como a da cesta básica, impressiona. Afeta todos os brasileiros. Mas são as classes com renda mais baixa que sentem mais. Elas estão empobrecendo”, conclui o economista.