Pitoco, Baleia, Achado e Pituco
‘Pitoco era um cachorrinho, que ganhei do meu padrinho, numa noite de Natal’. Era assim que meu pai tentava lembrar um verso de uma moda antiga, declamada por Rolando Boldrin (1936-2022). ‘Era esperto, bem ativo, tinha dois olhos bem vivos, saltando de lá para cá’. Confesso que o cachorrinho que conheci que mais se aproximou de Pitoco, se chamava Pituco. Fiel amigo do Tiago de Moraes, criador da franquia de HQ ‘Radius’ (Mustache Comics), Pituco se transformou no primeiro cãozinho super-herói de Marília.
Nos gibis, Pituco ganhou ares de cowboy dos filmes de faroeste que assistia ao lado do meu pai. Quando fui chamado para o projeto ‘Radius’, lançado em julho de 2022, auxiliei na composição do perfil de alguns personagens e, quando me deparei com o comportamento do verdadeiro Pituco, só me veio o histórico bandido do velho oeste americano, Billy The Kid, principalmente na interpretação deste ícone do bang-bang feita pelo cantor de country Kris Kristofferson, no longa dirigido por Sam Peckinpah e com trilha sonora de Bob Dylan.
Não à toa, no primeiro quadro de ação de Pituco – já o cão humanóide da Marília do futuro – ele gira as pistolas de laser e manda fogo contra o Major Pimã. Por pouco, não derruba o vilão logo na primeira cena de combate. Na Bíblia, Davi não pensou duas vezes em mandar uma pedra bem na testa do gigante Golias. Assim, também idealizei a reação do fiel escudeiro de Radius. Dias atrás, vejo um story do Tiago, Pituco – o real – estava desaparecido. Horas depois, a notícia: o cãozinho morreu atropelado.
Se foi o verdadeiro Pituco e a tristeza em Tiago ficou evidente. Mas os heróis não morrem! Nem o Pitoco, do poema-canção de Abílio Victor e Nhô Bentico, declamado por Boldrin, nem o Pituco super-herói e muito menos a Baleia, de ‘Vidas Secas’, de Graciliano Ramos. Quem passou pelas páginas de ‘Vidas Secas’ sabe o quanto Baleia é importante na estrutura da família de Sinhá Vitória, Fabiano e os dois meninos. Muitas vezes, Baleia chega a ser mais humana dos que os próprios humanos daquele agreste brasileiro descrito pelo grande mestre Graciliano.
Em ‘A jangada de pedra’, de José Saramago, há um cão que acompanha as personagens e em ‘Ensaio sobre a cegueira’, também de Saramago, em determinado momento um cachorro se aproxima da Mulher do Médico e seca suas lágrimas, e é chamado de ‘o cão das lágrimas’. Já derramei muitas lágrimas pelos meus animais de estimação que partiram: o vira-latinha Bumerangue – nome extraído de um faroeste, por sinal – a cadela Bandeira – a vira-lata que achava que eu era sua cria também – a doberman Alfa e sua neta, Hera. Tive um Achado, nome inspirado no personagem de ‘A Caverna’, livro de Saramago.
Pitoco, Baleia, Achado e Pituco, são encarnações de amores verdadeiros, assim como está na declamação de Boldrin: ‘E neste mundo tão oco, onde os amigos são pouco, nunca mais tive outro iguá’. Valeu Pituco (04/2020-07/2024)!
***
Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com