Pesquisadores brasileiros criam plataforma para monitorar variantes da dengue
Uma nova plataforma para classificação e monitoramento de variantes do vírus da dengue tem entre os autores diversos pesquisadores brasileiros.
Lançada no último mês, a Dengue-Lineages.org é uma plataforma que reúne sequências genéticas do vírus e tem como objetivo facilitar a comunicação entre os países para, frente a novos surtos, poder detectar as linhagens responsáveis pelo aumento de casos.
O painel de monitoramento de variantes da dengue lembra o tipo de classificação e esforço internacional que ocorreu durante a pandemia da Covid, quando as diferentes linhagens do Sars-CoV-2 eram descritas e monitoradas inclusive para seu maior potencial infeccioso.
O vírus da dengue possui quatro sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Todos eles provocam sintomas semelhantes, mas em graus diferentes, e exigem tratamentos.
Além do sorotipo, o vírus da dengue atualmente é dividido em genótipos, que podem ser descritos como agrupamentos variados que formam tipos geneticamente em comum.
A proposta do grupo é que, além dos genótipos, as linhagens contenham nomes internacionalmente reconhecidos e padronizados, o que pode ajudar na comunicação entre países.
“O genótipo é uma descrição de alto nível. É como se fosse dar um zoom em um mapa lá do alto, você não consegue ver as ruas com detalhe. O sistema atual tem uma resolução insuficiente, por isso sugerimos uma nova classificação para suprir essas lacunas”, explica Anderson Brito, pesquisador do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) e um dos autores do estudo.
Um problema atual é que a nomenclatura das linhagens era feita por cada país de maneira independente por exemplo, o Brasil poderia identificar uma linhagem chamada de BR5 porque era a 5ª detectada no país, mas ela poderia ser a PR17 (se referindo à 17ª linhagem identificada no Peru).
“Cada pesquisador que faz o sequenciamento do vírus, hoje, tende a chamar aquela nova descoberta de uma forma particular, que não é padronizada. A falta de padronização leva ao terceiro problema, que é a dificuldade de comunicação. Então esse novo sistema que está sendo proposto vem para trazer essas soluções”, diz.
“Assim que uma nova linhagem do vírus da dengue surgir, ela sendo designada com nomenclatura própria vai facilitar não só a identificação, mas a detecção dessa nova variante em diferentes partes do Brasil e do mundo. E isso vai ajudar a rastrear a transmissão do vírus”, afirma.
Além de Brito, o pesquisador Túlio de Oliveira, responsável pela descoberta da linhagem ômicron da Covid, também assina o estudo, assim como diversos pesquisadores de quase 30 instituições.
Segundo Brito, foi possível antecipar, com o aumento de casos de Covid, em novembro de 2021 na África do Sul, a chegada de uma nova onda no Brasil e no restante do mundo. “Se a gente voltar no tempo, quando ele sequenciou os diferentes genomas e viu se tratar de outra variante, e não a delta, ele conseguiu, de maneira muito rápida, dar um nome e a partir disso foi possível estudar as características biológicas da ômicron, em termos de ser mais transmissível ou causar mais sintomas respiratórios. Mas imagina um cenário onde esse sistema de classificação não existisse é a mesma coisa com a dengue”, explica.
Assim como foi feito para a pandemia, o painel de classificação de variantes da dengue vai utilizar números romanos (I, II, III, etc.) para cada nova linhagem dos quatro sorotipos em vez de letras que determinem a região geográfica.
“Essa nomenclatura visa evitar eventuais preconceitos que podem surgir com a determinação do local de surgimento do vírus, como proposto pela OMS [Organização Mundial da Saúde] na classificação de patógenos, e também porque hoje temos uma alta circulação dos genótipos entre os países, por isso não faz sentido restringir a classificação”, diz o artigo, disponível na plataforma bioRxiv de pré-prints e ainda aguardando revisão por pares para publicação.
Em relação aos critérios para definição de novas variantes, Brito explica que o grupo vai seguir medida objetivas para se uma linhagem deve receber ou não um novo nome. O sistema também é retroativo, isto é, pode funcionar para variantes já detectadas no passado, e integra dados do repositório github, onde pesquisadores do mundo todo podem subir sequências genéticas. O próximo desafio é criar um comitê científico para avaliar o cenário de linhagens circulantes e definir cenários epidemiológicos regionais.
“Existe todo um trabalho em conjunto que vai muito além da proposição da nomenclatura simplesmente. Uma das maneiras do ITpS atuar é reunindo recursos para manter o sistema em funcionamento, igual ao de vírus respiratórios, pois necessita de atualizações constantes conforme o vírus vai mutando”, diz.
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POR ANA BOTTALLO