‘Pedi demissão do banco e montei um sex shop’
Bancária por 18 anos, a mariliense Fernanda Oliveira Bicudo, 49, usou um perfil em rede social para “tirar seu empreendimento do armário”. Ela fez um vídeo para comunicar familiares e amigos mais próximos que pediu demissão do emprego, em um banco estatal, para abrir um sex shop.
Faltavam cinco anos para a aposentadoria. Mas a proposta do Programa de Demissão Voluntária (PDV) pareceu atraente.
Mais atraente ainda é a expectativa de ganhar a vida ajudando outras pessoas a encontrarem caminhos “mais divertidos” para o prazer.
“Há uns dois anos eu comecei a vender lingerie. Eu era uma ‘sacoleira’, em paralelo com o trabalho no banco. Algumas meninas começaram a pedir gelzinho, bolinhas, artigos sensuais para apimentar o relacionamento”, conta Fernanda.
A bancária descobriu um novo mundo: potenciais consumidoras de produtos eróticos, com vergonha de entrarem em uma loja, poderiam ser suas clientes.
Adicionando cada vez mais itens sensuais na sacola, Fernanda percebeu que vendia mais. Na época, ela ainda não imaginava que chegaria à ousada calcinha tailandesa.
A propaganda boca a boca deu conta do recado. Sem gastar com anúncios, clientes até então desconhecidos apareceram e, em pouco tempo, ela decidiu montar uma loja virtual.
Com o apoio do marido, Carlos Henrique Viana, de 49 anos – que na época trabalhava como síndico profissional –, a bancária virou dona de um “e-commerce secreto”. Amigos e familiares mais conservadores não faziam ideia da atividade paralela.
“Agora [com o vídeo] revelei para todo mundo. Muita gente veio me elogiar pela coragem, desejar sucesso. Nós frequentávamos igreja evangélica, então algumas pessoas que, imagino, não estão aprovando, não falaram nada. Me respeitaram”, afirma.
O marido, conta a ex-bancária, passou a dedicar-se exclusivamente ao sex shop. Carlos cuida, principalmente, do e-commerce que já vende para Marília e cidades de vários Estados.
Há um mês o casal abriu uma loja física, que funciona em espaço híbrido comercial-residencial discreto, sem fachada, somente com um pequeno aviso ao lado da campainha.
Fernanda se apresenta como sexóloga e afirma que a atividade – venda de artigos e brinquedos adultos – exige uma espécie de consultoria, tanto para explicar o uso de produtos quanto para ajudar os clientes a identificarem as necessidades.
“As dúvidas são muitas. São vários mitos, explorados por alguns ‘picaretas’ nesse mercado. Tem gente que procura gel para aumentar o pênis, por exemplo. Respondo perguntas sobre isso quase todo dia. Não existe gel e nem creme capazes de fazer isso”, assegura.
As lingeries estão sempre em alta, mas os campeões de venda são os vibradores, as próteses e os chamados “cosméticos sensuais”, que prometem intensificar as sensações.
“Não dá para separar a saúde sexual da saúde mental. Acredito que, com a pandemia, teve um ‘boom’ nesse mercado porque as pessoas foram forçadas a lidar melhor [ou mais tempo] com a sua intimidade”, afirma.
Para a bancária, que relata estudar diariamente em busca da expertise para o novo negócio, a maioria dos relacionamentos foi “forçada” durante o isolamento social. O resultado foi o fortalecimento ou rompimento, por isso, a procura por “novidades” aumentou.
“Todas as faixas etárias procuram; gente que está empolgada, iniciando relacionamentos, e também pessoas que estão tentando ‘apimentar’ relações mais maduras e antigas. Tem produto para todo perfil de pessoa”, garante Fernanda, que revela: “60% dos clientes são homens”.
Sem preconceitos, com estratégias mais ousadas e farto terreno no comércio eletrônico, o segmento é um dos que mais cresceram na pandemia.
Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), de março a agosto de 2020 – período de maior isolamento social -, a procura saltou 12% e o faturamento pelo menos 50%.
Isso para um setor que faturou quase R$ 1 bilhão em 2017 – balanço consolidado mais recente.
É por isso que, seja com distanciamento ou o “novo normal”, o mercado do prazer atrai até mesmo conhecedores do sistema bancário. Afinal, não existe promiscuidade maior que emprestar dinheiro, com as taxas de juros praticadas no Brasil.