Os que amam se reencontram
“Somos escravos de tudo que desejamos possuir. Ninguém é livre neste mundo, há diversas espécies de escravidão” – do livro ‘O escravo’, de Carolina Maria de Jesus (1914-1977)
Uma vez a minha avó materna – que está com 94 anos – me contou numa manhã que horas antes havia sonhado com seu irmão mais velho, que se chamava Rubens e havia morrido muitos anos antes de eu nascer.
“Filho, ele estava de roupa branca, tão bonito, encostado num carro e dando risada para mim. Era tão real, que corri para abraçá-lo, mas aí acordei. Fiquei muito triste, e chorei porque tudo não se passava de um sonho.”
Dias desses, antes de dormir, li num story qualquer a frase, realmente muito profunda: ‘Aqueles que se amam sempre se encontram. Não importa quão longe estejam, sempre voltam um para o outro’.
Totalmente cético com esta mensagem – e o leitor vai me desculpar, pois ainda não estou com os sábios 94 anos da vó Luiza, mas já passei dos 40 há algum tempo, então, nem toda frase que leio, ainda mais em redes sociais e no Instagram, me inspira a plena confiança na veracidade – caio no sono profundamente. E entro numa viagem onírica muito peculiar, onde, vou reencontrando pessoas da minha trajetória de vida que há décadas não via, e, entre elas, algumas já até mesmo falecidas.
Por um descuido acordo. E olho no relógio, eram duas da madrugada e, me bate aquela sensação que a dona Luiza me revelou na manhã da infância: era tão real, mas era um sonho. Assim como aconteceu com a minha avó, chorei. E muito. Passado o choro e a angústia, confesso que agradeci a Deus pela oportunidade de reencontrar, ainda que em sonho, aqueles entes queridos e que foram tão essenciais em meus momentos.
A sensação que tive no sonho era a mesma da autenticidade da vida e tive que arruinar o meu ceticismo com a frase que afirma que os que amam, se reencontram. Muitas vezes, não sei se isso acontece a outras pessoas, consigo encontrar saídas para problemas através de sonhos. ‘Um leão entrou em casa’, conto que está entre as oito narrativas de ‘Contos do Japim’ (2010, Carlini & Caniato), me surgiu inteiramente num sonho.
Assim que acordei, corri à máquina de escrever e fiz a primeira redação do conto. Nele, como o título remete, um leão entra na casa do narrador. Só que não é um qualquer, é inteligente e tem a faculdade da oratória.
Através do sonho José foi avisado de que era para fugir ao Egito com Maria de Nazaré, sua esposa, e Jesus, recém-nascido na manjedoura de Belém. Também foi através de um sonho que outro José, o do Egito, decifrou os anos de fartura e o lastimável período de miséria no sonho do faraó – as sete vacas gordas e as sete vacas magras.
Quando estive no Egito, dois anos atrás, não consegui colocar as mãos nas areias daquele país – e isso era algo que queria fazer, mas acabei protelando e não fazendo. Dias atrás, uma amiga que passou uma temporada por lá, me presenteou com um frasquinho repleto das areias do Egito. Amo muito aquele lugar, e, suas areias me reencontraram. Antes da frase que me foi corroborada em sonho, havia lido o título de um romance ‘Até as pedras se encontram’, que agora complemento: ‘Até as pedras se encontram, quanto mais às criaturas e os grãos de areia’.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Vargas, um legado político’, ‘Laurinda Frade, receitas da Vida’ e das HQs ‘Radius’, ‘Os canônicos’ e ‘Onde nasce a luz’, ramonimprensa@gmail.com