Os paranaenses na Literatura do Brasil
No meio do ano passado, em 2022, realizei um sonho de leitor. Por alguns minutos parei diante da casa do escritor Dalton Trevisan, no bairro Alto da Glória, em Curitiba, e fiquei contemplando as paredes daquela residência antiga e, confesso, meio estranha.
Meus filhos me acompanharam e pude explicar para eles que ali, até pouco tempo, vivia o maior escritor de Língua Portuguesa vivo, na minha modesta opinião. Semanas antes, havia me encontrado em São Paulo com Mia Couto, o autor moçambicano que “herdou” o título de principal nome do idioma de Camões por ter disposição em “maratonar” pelos países lusófonos, assim como fazia décadas atrás o único autor de Língua Portuguesa a levar um Nobel de Literatura, José Saramago (1922-2010).
Não tive a oportunidade de ver pessoalmente Saramago e recordo que, quando de seu falecimento, estava em São Paulo participando da final estadual do Mapa Cultural Paulista 2009-2010, representando a região de Marília na modalidade literatura com o conto “A quiromante”.
Era a primeira obra que escrevia citando, nominalmente, a minha cidade natal e nomeando bairros, ruas e locais geográficos diretamente. Até então, ao ficcionar locais e enredos, não recorria a pontos verídicos. Mia Couto, muito gentil, recebeu meu livro “A próxima Colombina” logo nos primeiros passos que ele deu ao entrar no Memorial da América Latina, em São Paulo, onde fora receber o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Júlio de Mesquita Filho.
Nesta mesma solenidade, estava o escritor e imortal de Araraquara, Ignácio de Loyola Brandão. Reencontrei seu Ignácio e falamos tanto de Marília, quanto de Vera Cruz. Ambas cidades estão na trajetória do autor de “O verde violentou o muro”.
Dias depois, estava num domingo de manhã, parado em pleno inverno curitibano na esquina da rua Ubaldino do Amaral, a poucos metros do campus do centro da Universidade Federal do Paraná (UFPR), contemplando um imóvel que vivia na minha imaginação de leitor e, obviamente, na minha mente de escritor: a casa do “Vampiro” de Curitiba. Dalton Trevisan, havia acabado de completar 97 anos de idade e já não morava mais ali.
Dizem que se mudou para um apartamento. Agora em 14 de junho o exímio contista fará 98 anos e, recentemente, lançou mais um livro, “Antologia pessoal”, de 400 páginas.
Trevisan odeia os meus colegas de profissão – os jornalistas e os fotógrafos. Recluso, não atende a Imprensa há anos. O Rubem Fonseca (1925-2020) também era assim. Fonseca era carioca, Trevisan, assim como Wilson Bueno (1949-2010), paranaense. Bueno, por sinal, escreveu o emblemático romance, “Mar paraguayo”, misturando português, espanhol e guarani.
Paulo Leminski (1944-1989), outro curitibano de “responsa”, certamente segue inspirando milhões de leitores brasileiros e para encerrar esta crônica dedicada aos letrados do Paraná, cito o poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes, nascido em Londrina, e que traduziu o imortal americano Walt Whitman (1819-1892).
De Whitman, na tradução de Lopes, retirei os versos para a epígrafe do meu romance “Canavial, os vivos e os mortos” (La Musetta Editoriais, 2022): “Por mim passam vozes mudas há tanto tempo… vozes veladas, e eu removo o véu” (Walt Whitman/Lopes, “Song of myself”/Canto de Mim Mesmo).
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.