“O que eu recebo é a felicidade”, diz voluntária com cão terapeuta Minnei
A fonoaudióloga Milena Diniz Bianco, de 43 anos, realiza um importante trabalho voluntário em Marília, na companhia da Minnei, uma cadela de cinco anos e meio da raça Golden Retriever, atuando no projeto ‘Cão Terapeuta’ no Hospital das Clínicas (HC). O contato com animais traz inúmeros benefícios mentais, emocionais, pedagógicos e relacionados ao convívio em sociedade.
A ideia nasceu quando ela trabalhava como fonoaudióloga na Universidade de Marília (Unimar), mas na época, não existia legislação permitindo a entrada de animais em unidades hospitalares. Foi preciso um apoio do legislativo mariliense, para que fosse permitido o início do trabalho na cidade.
O desejo de ajudar pacientes, com os mais variados tipos de problemas de saúde, fez com que Milena disponibilizasse seu tempo para iniciar o trabalho voluntário que faz até hoje. Em breve ela poderá ajudar ainda mais pessoas, já que iniciará o curso de medicina.
Além da graduação em Fonoaudiologia, Milena Bianco possui pós-graduação em Fono Hospitalar e MBA em Saúde Pública.
O Marília Notícia conversou com a voluntária, que contou um pouco do projeto que realiza na companhia de Minnei e histórias que aconteceram em alguns atendimentos.
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MN – Como começou esse trabalho?
Milena – Eu trabalhava na Unimar como fonoaudióloga. Fazia parte do grupo de humanização. Foi lá que surgiu a ideia de ter um cão terapeuta, para os pacientes que eram atendidos pela clínica médica do SUS, pois com as doenças, muitos ficavam depressivos. O projeto foi programado lá dentro, mas não deu certo pois precisava de uma lei municipal.
MN – Hoje essa lei já existe?
Milena – Hoje a gente tem uma lei municipal, que foi aprovada em julho de 2018, para a entrada de animais domésticos em âmbitos hospitalares, tanto públicos como privados. Demorou dois meses para conseguirmos e nesse tempo eu saí da Unimar e entrei na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).
MN – Você já tinha a Minnei?
Milena – Eu tinha outro cachorro. Tinha um labrador e o projeto seria com ele. Então eu fiz um curso de intervenções assistidas por animais, lá em São Paulo. Fiz esse curso e fui atrás de uma ninhada que tivesse uma cachorra calma. O Labrador e o Golden geralmente são muito agitados, mas consegui achar uma mais tranquila, que é a Minnei.
MN – Quando você conheceu a Minnei ela tinha qual idade?
Milena – Eu peguei ela quando tinha dois meses. Dentro da intervenção assistida por animais existem três tipos de modalidades. Tem atividades assistidas por animais, que é o que a gente faz aqui. Eu faço visitas e as pessoas interagem. Tem a terapia assistida por animais, que é individual. É algo mais programado para ter um objetivo melhor com o paciente. Tem ainda a educação assistida por animais, que é passar em escolas explicando sobre o cachorro.
MN – Você disse que a ideia nasceu na Unimar, mas o trabalho começou na Apae?
Milena – Na Apae eu fiz a terapia assistida por animais. Eu atendia pacientes. Então a gente fez um projeto piloto na Apae. Eu atendia oito pacientes semanais. Eu atendia pacientes autistas, crianças com paralisia cerebral. A duração era de meia hora cada atendimento. Era individualizado. Então eu trabalhava alfabetização, a fala. A comunicação não verbal, porque muitos não falam.
MN – Esse é o trabalho de Fono, né?
Milena – Esse é o trabalho da Fono. Eu trabalhava lá como Fono, então eu fazia terapia. Isso a gente fez durante um ano e meio na Apae. Até que eu saí da Apae. Entrou a pandemia e tudo fechou. Não tinha como fazer, mas fui contratada aqui em 2021, no HC.
MN – O pessoal do HC já sabia desse seu projeto?
Milena – Na verdade, antes de eu ser contratada, eu apresentei o projeto da Minnei, onde a superintendente, a doutora Paloma, aprovou o projeto. Eu acabei sendo contratada como funcionária daqui. Eu trabalhava com a equipe de regulação de acesso, tanto ambulatorial como hospitalar.
MN – Você já veio para fazer isso?
Milena – Eu já entrei para fazer o trabalho da Minnei, que é totalmente voluntário. Eu não tenho ajuda de ninguém. Sou eu que pago todas as vacinas. Tudo dela é comigo. Então é realmente voluntário. E eu acabei sendo funcionária do HC.
MN – Mas esse projeto era dentro do seu horário de trabalho?
Milena – Nos horários que eu não estava trabalhando, eu fazia essas visitas. As atividades assistidas por animais.
MN – Você sabe se tem algum outro cão terapeuta assim como a Minnei aqui na região?
Milena – Não. É o único.
MN – E como foi a atuação no HC?
Milena – Eu comecei a passar em todos os complexos que o HC atende. Na parte que atende adultos, no Hospital Materno Infantil (HMI), no Hemocentro, onde fica a parte da oncologia infantil. Tem também o ambulatório e tem o Lucy Montoro.
MN – E como começaram essas visitas?
Milena – Eu comecei a fazer essas visitas nesses lugares em datas especiais. De começo, a gente começou com datas como no Dia das Crianças, Natal. Sempre em algum dia comemorativo a gente acabava fazendo.
MN – E sempre foi bem recebida?
Milena – Extremamente. Sempre muito bem recebida por todo mundo.
MN – O que você acha que causa nas pessoas a presença da Minnei?
Milena – A gente chama esse trabalho de amor incondicional. Porque é uma cachorra, né? Que é um animal. Mas ela interage. Teve uma vez que a gente passou no Materno Infantil. Tinha uma criança internada no Covid-19 e não poderia receber a visita da Minnei. Fazia três dias que ele estava sem andar. Deitado em cima do leito. As fisioterapeutas não conseguiam ter nenhum tipo de interação com ele. As médicas não sabiam mais o que fazer. Ele enxergou a Minnei de longe e saiu correndo. A equipe super se emocionou. Porque fazia três dias que ele estava deitado em cima de uma cama.
MN – Ele levantou e foi até a Minnei?
Milena – Ele foi até a Minnei e deu um mega abraço nela. Teve outro caso também de uma criança que eu passei. Era uma criança com Covid-19. Estava internada, só que tinha uma porta de vidro. Eu coloquei a Minnei no vidro. A criança colocou a mão para tentar, tipo, se aproximar dela. E a Minnei deu a pata para ela. Foi o contato que ela teve.
MN – Esse jeito dela é uma coisa espontânea ou foi uma coisa que você ensinou?
Milena – Ela não teve nenhum treinamento. Ela foi criada com os meus filhos. Eu tenho três filhos. Quando eu peguei ela, eu tinha uma filha de um ano. Então ela nadava todos os dias com a minha filha. Ela se acha uma criança.
MN – Como é que é o comportamento dela com outros animais?
Milena – Ah, ela cheira. Ela tem medo de cachorro pequeno, mesmo com esse tamanho. É até estranho quando a gente fala. Eu tenho dois gatos na minha casa que convivem super bem com ela e que dormem junto com ela. Então ela é uma cachorra muito dócil.
MN – Tem algum outro caso de atendimento e interação com paciente que você se lembra?
Milena – Eu tive também um caso aqui. De um adulto. Era um senhor de fora, que tinha feito uma cirurgia. Estava já há alguns dias. Fiz visita e a Minnei subiu em cima da cama. Tem alguns pacientes que a Minnei sente e ela acaba subindo, por livre e espontânea vontade.
MN – Quais cuidados com a Minnei para ir até os hospitais?
Milena – A Minnei tem que ter vacinas. Ela tem que estar limpa. Ela tomou banho ontem de tarde para poder vir hoje. Então realmente é um trabalho dela. Eu sou a co-terapeuta. A terapeuta é ela. A gente direciona, lógico, mas é ela que manda.
MN – As equipes dos hospitais também esperam por ela?
Milena – Ela vai na UTI pediátrica e é muito bem recebida. Porque ela não muda só a vida do paciente. Ela muda a vida da equipe. Então as pessoas esperam por ela. A equipe fica esperando ela. A Minnei é um catalisador de mudanças de ambiente.
MN – Você acha que essa interação mexe com todos?
Milena – Lógico. Tem a dopamina. Você mexe com a felicidade. É muito tempo de internação para alguns pacientes.
MN – Algum paciente recusa a visita?
Milena – A gente tem sempre um acordo. Que é feito sempre. Quando eu vou entrar no quarto, eu falo que estou com a Minnei e pergunto se a pessoa quer a visita dela. Tem paciente que fala que não quer. É raro, mas tem. Eu desejo melhoras, dou um bom dia e seguimos. Eu aprendi isso no curso. O paciente precisa querer receber essa visita. Se ele não quiser, precisamos respeitar, mas é muito raro acontecer.
MN – Você acha que esse trabalho que você presta está suprindo uma deficiência do que existe hoje?
Milena – O trabalho da psicologia dentro do hospital é muito importante, mas esse trabalho é um trabalho diferenciado. No interior de São Paulo ele não era muito bem visto. Eu acho que as pessoas ainda tinham preconceito.
MN – Teve um estudo comprovando que não tinha risco de passar ou contrair doenças?
Milena – Foi feito um estudo, quando foi aprovado na Câmara. Depois foi sancionado pelo prefeito Daniel Alonso. Teve o doutor Fábio Manhoso, que é veterinário, que mostrou que o cachorro, quando ele é bem cuidado, ele não passa nenhuma doença para o humano.
MN – Faltam estudos sobre o cão terapeuta no Brasil?
Milena – No Brasil temos poucos estudos sobre o trabalho do cão terapeuta. Nos Estados Unidos e na Europa isso é muito normal. Em São Paulo, todos os hospitais têm o trabalho do cão terapeuta. A Minnei foi convidada para, uma vez no mês, visitar o Hospital Albert Einstein e o Hospital Sírio-Libanês. Como isso não é custeado por ninguém, eu não tenho condições de levá-la.
MN – E você só faz esse trabalho aqui no HC?
Milena – A Minnei é um projeto meu, que foi autorizado pela superintendente do HC. Ela visita asilos, Cras, é uma cão terapeuta. Onde me convidam, eu vou. Há quatro anos ela é mascote do Mc Dia Feliz, da Santa Casa de Marília. Não tem nada fechado com ninguém. Ela está aí para ajudar quem realmente precisa. Hoje eu saí daqui, não sou mais funcionária do HC, mas a Minnei é. Tem até crachá. É a cão terapeuta oficial do HC, mas eu quero expandir isso.
MN – Você gostaria de ter outra cachorra para o projeto?
Milena – O que eu recebo é a felicidade que vejo no que acontece. Sendo estudante de medicina, pretendo escrever artigos sobre esse projeto, pois vou continuar e pretendo escrever sobre isso. Eu queria ter outra. Quando você vai fazer um trabalho desse, precisa conhecer o seu cachorro. Eu conheço ela pelo olhar. Ela não consegue ficar mais de duas horas na visita.
MN – Você percebe quando ela está cansada ou por algum motivo quer parar com a visita?
Milena – Uma vez uma criança puxou com muita força o bigode dela. Ela olhou para mim e entendi que ela não estava gostando, mas não teve reação. Então a gente se comunica. Ampliar o projeto precisa ter disponibilidade. Não penso em ampliar, mas gostaria de ter outra.