Em pé, parado, você está no Brasil. De frente, o território da Argentina. Ao lado, uma imensa bandeira te revela que ali está a nação do Paraguai. Três países a poucos metros de distância, três culturas distintas e séculos de história, costumes e tradições. O Marco das Três Fronteiras, em Foz do Iguaçu, no Paraná, é um dos lugares mais emblemáticos e incríveis que já estive. Pude participar, recentemente, de uma viagem técnica para a região das três fronteiras, onde fomos conhecer a Usina Hidrelétrica de Itaipu, construída exatamente na divisa do Brasil com o Paraguai. Lá, tudo é dividido proporcionalmente igual: de comando estratégico, a número de funcionários; metade brasileiro, outra metade paraguaio.
Até o número de turbinas é dividido exatamente igual entre as duas nações. Lembro que quando cursei o Ensino Fundamental e até mesmo no período que passei pelo Ensino Médio, a binacional de Itaipu – cujo nome foi inspirado numa ‘ilhota’ que havia no trecho do rio Paraná e significa ‘a pedra que canta’ – era considerada a maior hidrelétrica do mundo. Este título foi perdido nos anos 2000, quando houve a construção de uma hidrelétrica na China. Bom, é que em Dubai não tem tantos rios assim, afinal os Emirados estão no meio do deserto e às margens do mar, contudo se lá existissem rios, certamente o xeique determinaria que se construísse uma usina maior que a da China. Afinal, lá se constrói tudo para ser maior do mundo, justamente para que o título fique por lá! Foi assim com roda-gigante, com mesquita, e suspeito que em termos de geração de energia pela força dos rios não seria diferente.
Brincadeira à parte com a referência da grandiosidade dos feitos dos Emirados Árabes, que têm em Abu Dhabi e em Dubai verdadeiras maravilhas da arquitetura e da engenharia do mundo moderno [como, por exemplo, o único prédio redondo do planeta], a convergência diplomática e da construção civil para gerar Itaipu é digna de reconhecimento pleno. Quarenta mil trabalhadores construíram a usina. Popularmente chamados de ‘barrageiros’, estes operários anônimos ajudaram a reescrever a história de duas nações e transformaram Brasil e Paraguai em potências em energia limpa e renovável.
A barragem tem quase 200 metros de altura, o que corresponde a um prédio de 65 andares. Peças que fazem a usina funcionar hoje passaram pelas estradas da região na década de 1980, em comboios lentos, que saíam das metalúrgicas do Grande ABC e cruzavam os Estados de São Paulo e Paraná em jornadas de até quatro meses. Interessante que a usina encontra-se exatamente na divisa entre as duas nações e uma faixa amarela no chão da sala de comando delimita o território brasileiro e paraguaio. Assim, um assunto corporativo pode começar no Brasil e terminar só lá no Paraguai. Quanto ao Marco das Três Fronteiras, localizado em outra ponta de Foz do Iguaçu, este espaço é recheado da história que remonta gerações, e nos coloca as três nações na mesma raiz histórica: a colonização da região pelos europeus (espanhóis e portugueses) e a presença das missões jesuítas para evangelizar os povos guaranis e kaingangs, que habitavam a região.
Aliás, são dos kaingangs a lenda que justifica as cataratas do Rio Iguaçu, uma maravilha da natureza. Na lenda, uma índia prometida ao deus-cobra foge com seu amor e, ao tomar conhecimento da fuga, o ser fantástico se retorce e provoca enorme fenda. Naipi, a índia, virou rocha. Tarobá, o índio, se tornou palmeira, ficando à margem do todo o abismo. E o enorme réptil, M’Boy, com sua baita ‘dor-de-cotovelo’, refugiou-se na gruta sob as cataratas, que ficam bem na divisa do Brasil e Argentina.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.