O lugar da Cultura na busca por uma cidade mais democrática
Kant, sempre Kant, afirmou que a finalidade do ser humano é cultura. Ou seja, a finalidade do ser humano é se enculturar, é desenvolver uma disposição intelectual para pensar, por conta própria, as ideias. Não é à toa que ele é chamado de filósofo do Esclarecimento.
No mesmo sentido, Dewey, sempre Dewey, ao tratar especificamente do objetivo da educação, afirmou que este seria mais educação. Ou seja, a finalidade da escola é propiciar oportunidades para que os alunos se encontrem continuadamente em atividades educativas que tenham significados para as suas vidas. Não é à toa que ele é chamado de filósofo da experiência.
Dewey também é chamado de filósofo da democracia. Isso porque a ênfase na experiência do aluno tinha como pano de fundo ultrapassar a imposição de finalidades externas ao processo educativo. Na ordem social, isso significava ultrapassar a inexistência de uma sociedade verdadeiramente democrática.
Ao relacionar vida e educação, Dewey acabou por tratar educação como cultura. Para Dewey, uma pessoa se educar era similar ao ato de se enculturar, isto é, desenvolver uma disposição para pensar. Diferente de Kant, porém, Dewey afirmou que nossa disposição para pensar ideias nasce do mesmo modo que nossa disposição para o trabalho manual.
Em ambos os casos ela só ocorre quando nossas habilidades intelectuais e manuais se tornam um hábito. Daí que ele vai afirmar que a democracia é um estilo de vida, pois é um hábito que tem como base a ideia de democracia e que eu incorporo em minha vida. O hábito de ser democrático na hora de pensar sobre felicildade ou de construir um castelo de blocos, de Legos, ou qualquer outra atividade manual, como distribuir ingressos.
No caso dos ingressos do Teatro, é preciso relembrarmos o que democracia significa para Dewey. Democracia são interesses comuns, numerosos e variados; são interações e reciprocidades, intensas e livres. E aí, o interesse que prevaleceu sobre a coisa pública foi o de um pequeno grupo de interesse político, e não o interesse geral. A interação foi negada, pois, apesar das reclamações, a decisão foi tomada sem levar em conta um possível abuso político. A reciprocidade para com quem enche os cofres públicos, ou seja, com os contribuintes marilienses foi traída e o dinheiro público foi usado para agradar os poucos escolhidos pelo poder público local.
Pra usar o termo democracia nesse contexto, a Prefeitura e a Secretaria da Cultura deveriam ter estabelecido a cota de 90% dos ingressos sorteados de modo transparente entre a população e 10% aos convidados oficiais, como funciona em geral as cotas de peças artísticas que se utilizam de dinheiro público via as leis de incentivo.
Mas a lembrança da secretaria da cultura ao general João Figueiredo, então presidente do Brasil em 1982, ainda que equivocada, é, ao mesmo tempo, oportuna. Como naquela época, o trabalho de democratização à nossa frente é árduo. Mãos à obra, cidadãos.