Nova corrida à Lua é impulsionada por busca de domínio do espaço e de recursos naturais
Desde que o ano começou, já vimos três missões tentarem atingir a superfície da Lua, envolvendo dois países -duas delas bem-sucedidas- e estamos apenas em fevereiro. Antes que o ano acabe, devemos ter pelo menos mais duas ou três, possivelmente mais, de novo envolvendo empresas e agências de vários países.
Os próximos anos devem seguir essa toada, e é óbvio que algo novo e diferente está acontecendo. Depois de décadas de desprezo, vemos uma efervescente nova era de exploração lunar.
Por quê?
Há uma confluência de motivos, que incluem projeção de capacidade tecnológica, domínio do espaço cislunar (que se estende em torno da Terra até a órbita da própria Lua, a cerca de 380 mil km do planeta) e exploração de recursos naturais.
Desses, apenas o primeiro teve um impacto significativo na corrida espacial do século passado, que pôs Estados Unidos e União Soviética na rota do satélite.
A coisa começou a esquentar em meados dos anos 1990, quando a sonda orbital americana Clementine, uma parceria entre o Pentágono e a Nasa, foi enviada à órbita lunar em 1994. Após analisar os dados, a agência espacial americana apresentou, em 1998, uma descoberta importantíssima: haveria gelo de água em crateras polares na Lua capazes de suportar uma colônia humana e uma estação de reabastecimento de foguetes.
Era algo que não havia sido revelado por nenhuma das missões anteriores, inclusive as que pousaram na Lua, realizadas por EUA e União Soviética entre 1966 e 1976, e mudava as regras do jogo para uma futura ocupação do satélite para a exploração de seus recursos.
A descoberta chamou a atenção não apenas dos americanos, mas também de outras nações com ambições espaciais. Em 2003, a ESA (Agência Espacial Europeia) lançou seu primeiro orbitador lunar. Em 2007, foi a vez de Japão e China, seguidos pela Índia em 2008. E, em 2009, os americanos lançaram seu LRO (Lunar Reconnaissance Orbiter), que até hoje opera por lá fazendo imagens da superfície da Lua.
Em todos os casos, o foco ia além da ciência, concentrado na identificação de recursos naturais na Lua.
Minérios de valor comercial, sim, mas sobretudo o mais precioso composto no contexto da exploração espacial: água. Com ela, você pode sustentar humanos longe da Terra, seja pelo consumo direto ou pela produção de oxigênio para respiração. Também é possível gerar hidrogênio, que serve como combustível para foguetes.
Desde então, estabeleceu-se uma nova corrida para um retorno à Lua, desta vez para uma estadia sustentável e duradoura em sua superfície.
Nos EUA, a administração Bush lançou em 2004 o projeto Constellation, que acabaria sendo um precursor do atual Artemis, que pretende levar humanos de volta ao solo lunar até o fim da década (atualmente o primeiro pouso está marcado para 2026, mas tende a atrasar).
De forma semelhante, no início dos anos 2000, o ascendente programa espacial chinês produziu um plano concreto para desenvolver voo espacial tripulado (atingido em 2003), um programa lunar robótico (iniciado em 2007), o estabelecimento de uma estação espacial própria em órbita terrestre baixa (construída entre 2021 e 2022) e um programa lunar tripulado (com primeiro pouso marcado para antes de 2030).
Numa competição que lembra a folclórica corrida entre a lebre e a tartaruga, os chineses vêm pouco a pouco ganhando terreno sobre os domínios americanos no espaço. Já têm feitos inéditos, como o primeiro pouso robótico no hemisfério oculto da Lua (em 2019), e, se o programa Artemis atrasar mais, podem muito bem ser os primeiros a levar astronautas ao solo lunar no século 21.
Enquanto a China se beneficia de consistência e firmeza de propósito em seus planos (a despeito de um orçamento menor), os americanos sofreram com mudanças constantes de rumo em seu programa espacial, de acordo com a administração. Se George W. Bush iniciou a trajetória de retorno à Lua, Barack Obama decidiu focar asteroides e Marte, e então Donald Trump voltou a se concentrar na Lua, o que (felizmente para o programa) foi mantido durante a administração Biden.
Para compensar essas incertezas, incrementadas por estouros orçamentários, os americanos estão apostando em ferramentas centrais do capitalismo para gerar resultados: competição e inovação. Daí nasceu a atual era da exploração comercial do espaço.
No contexto da Estação Espacial Internacional (ISS) e do programa Artemis, a Nasa estabeleceu novos regimes de contratação de empresas, não mais usando-as para construir veículos projetados pela agência, mas sim estimulando-as a desenvolver suas próprias soluções de transporte espaciais, tendo a Nasa apenas como uma de suas clientes.
Uma estratégia arriscada, mas que tem colhido frutos. Já há fornecedores para transporte de carga e astronautas à ISS, e a SpaceX está contratada nesse regime para produzir os módulos de pouso para as duas primeiras missões tripuladas Artemis a irem à superfície da Lua. À empresa Blue Origin caberá construir o módulo para o terceiro pouso.
No segmento não tripulado, a agência estabeleceu um programa para contratar carretos de transporte até a Lua -e é nesse contexto que se inserem as empresas americanas que fizeram seus primeiros voos em 2024, a Astrobotic e a Intuitive Machines.
São projetos desenvolvidos a custo mais baixo por startups tecnológicas inovadoras, o que agrega risco a curto prazo, mas a longo prazo pode fornecer acesso barato e rápido à Lua -o que traz vantagens tanto mercadológicas quanto geopolíticas (reforçando a capacidade de manobrar em todo o espaço cislunar).
A expectativa da Nasa é que isso gere um mercado de transporte lunar, em que a agência fomenta a pesquisa e desenvolvimento iniciais das empresas, que depois poderão fornecer seus serviços a vários clientes, sejam empresas, universidades ou países.
Esse é um futuro em que empreendimentos lunares se tornam mais baratos e acessíveis, o que deve incrementar não só a produção científica, mas todo tipo de atividade no espaço cislunar –de aplicações militares a turismo, passando por exploração de recursos naturais e colonização.
O mundo está atento ao movimento, e diversos países caminham na mesma direção -cada um em seu ritmo e com seu alcance. Eles já se dividem também em dois grandes blocos, o dos Acordos Artemis, liderados pelos EUA e agrupando 36 países, entre os quais o Brasil, e o do projeto chino-russo da Estação Internacional Lunar de Pesquisa, que conta com oito países. Ambos os grupos pretendem instalar uma base na região do polo sul lunar, e não é coincidência que muitas das missões robóticas já estejam mirando aquela região.
Está chegando o momento em que teremos de pensar na Lua como mais um palco para atividade humana -um lugar, por assim dizer, e não um corpo celeste distante-, de forma similar ao que aconteceu no passado quando exploradores cruzaram os mares para encontrar “novos mundos”. Os próximos anos serão interessantes.
***
POR SALVADOR NOGUEIRA