Noite de Natal terá pelo menos 100 pessoas em situação de rua
Pedreiro de profissão, Vanderlei França, de 66 anos, não sabe mais dizer há quantos anos vive na rua. Mas ele relata em detalhes a reunião que teve no Nápole [antiga cantina italiana, já encerrada], em 1976, com um empresário de Marília interessado na construção de dez casas em um novo bairro. Recusou o serviço. Estava com depressão e problemas no casamento.
Pelo menos 100 pessoas que rejeitam um endereço fixo, ou que romperam vínculos familiares, assolados pela miséria, vícios e abismos em relacionamentos, passarão o Natal nas ruas de Marília. A estimativa é da Secretaria Municipal de Assistência Social.
A pasta possui um cadastro e garante que a cidade tem cerca de 20 pessoas sem residência, nenhum familiar identificado e histórico de rejeição aos serviços de assistência.
Porém a população vulnerável nas ruas é cinco vezes maior. Isso porque o espaço urbano ocupado pelos andarilhos é compartilhado com, pelo menos, uma centena de pessoas em situação de rua de forma sazonal ou parcial.
Entre eles a grande maioria tem familiares na cidade [como é o caso de Vanderlei] mas as rupturas familiares, a dependência de álcool ou outras drogas dificulta a reinserção nas famílias.
Há ainda pessoas que vivem da mendicância e passam parte do tempo em casa, além de egressos do sistema prisional excluídos do mercado de trabalho que buscam alguns trocados nas ruas. Os migrantes, que vivem de cidade em cidade, são minoria.
A secretária de Assistência Social do Município, Wania Lombardi, explica que durante as festas de final de ano é esperado que haja uma redução no número de pessoas nas ruas, mas na prática, não é o que acontece.
Neste período de final de ano, há um “incremento” na população nas ruas, devido a saída temporária de presos, segundo Wania.
“Muitos não vão para os endereços que declararam no ato da saída temporária. Ficam nas ruas, consomem bebidas alcoólicas e aumentam essa população”, afirma.
BICOS E AJUDA
Vanderlei França, apresentado no início da reportagem, demostra não ver muitas saídas. A volta para casa, ou mesmo a conquista de um novo lar, não parecem possíveis para ele.
O homem conta que saiu de casa quando o casamento fracassou. Ele culpa interferência de familiares, que teriam atrapalhado o relacionamento. “Eu chegava do serviço 22h, trabalhava duro o dia todo. Mas viviam envenenando minha mulher”, conta.
Hoje o pedreiro vive de doações e usa serviços do município, como o albergue noturno Casa Cidadã. Ele também carrega um rastelo entre seus poucos pertences e faz bicos de jardinagem, para ganhar algum dinheiro.
“Minha história já foi outra. Esse empresário (setor da Educação) me colocou lá em cima. Eu andava entre os homens ricos da cidade, tinha amizade, trabalhava para as boas famílias de Marília, gente de sobrenome. As pessoas não imaginam que a gente tem uma história”, constata.
Na praça da Matriz de São Bento, onde compartilha recursos e doações com outras pessoas em situação de rua, o idoso sabe que poderá receber alguns alimentos neste feriado de Natal.
Porém, tão incertos como a próxima refeição, são os próximos dias, meses e ano. Tudo é incerteza, afinal, quem mora na rua compartilha a estranha sensação de que todos os dias são iguais.