Neve no quintal de casa, ouro na esquina debaixo
Quando era criança, havia um abacateiro no quintal de nossa casa. Não existiam muros ainda, mas sim cercas de ripas de madeira e, às vezes, a gente varava por um vão e invadia a casa dos vizinhos para catar a bola.
Naquele quintal também tinha uma goiabeira, uma mangueira, um pé de caqui, se não me engano, e ainda um grande angico que deu lugar para a torrinha da caixa d’água e que o pedreiro cortou cantando a música da Maria Alcina, “Seu delegado prende o Tadeu”.
De quando em quando ele avisava que o Tadeu estava solto, dizia para as moças da vizinhança evitar o baile do Asa Branca, porque o Tadeu dava dando expediente por lá no sábado à noite e o “bicho” era realmente terrível. E ali ele ficou cortando o angico e conversando com quem estava nos quintais vizinhos. Até uma xícara de café a dona Romilda serviu para ele durante aquela empreita.
Recordo das árvores da minha infância e me coloco na trama de “O meu pé de laranja-lima”, de José Mauro de Vasconcelos – um dos livros da literatura brasileira mais traduzidas e lidos no mundo inteiro. Pesquisem aí, no Google, e vão se surpreender com o colossal êxito editorial desta obra. Até mesmo na China a trama do puro e sonhador menino Zezé tem leitores.
Na vida adulta, as árvores também me marcaram muito. Lembro de que vi neve no quintal de casa de uma noite para o dia. Morava ali na rua Vinte Quatro de Dezembro e o quintal do vizinho abrigava um ipê-branco. Cheguei bem tarde da redação e abri e fechei a janela do quarto, era noite, e não havia nenhuma flor. Logo pela manhã, ao reabrir a janela, o quintal de casa estava forrado de flores brancas, remetendo à neve.
Pesquisei, depois para saber se havia nevado em Marília em algum momento dos seus anos de existência. A cidade mais próxima daqui que nevou, parece, que foi Botucatu. Na capital de São Paulo nevou numa manhã de 1917 e este fenômeno é título do livro de José Roberto Walker – “Neve na manhã de São Paulo” – ambientado na paulicéia desvairada e com alguns dos principais personagens que anos depois realizariam a Semana de Arte Moderna de 1922. Ano que vem a Semana de 22 completará um século.
Outro dia, chegando em casa, notei que havia ouro na esquina debaixo. Antes, naquele dia havia achado uma nota de cinquenta caída na avenida Sampaio Vidal, perto de uma agência bancária. Desde que me mudei para Marília, acho que já encontrei mais de R$ 300 perdidos pelas ruas e avenidas da cidade.
Mas isso já é conteúdo para outra crônica. O ouro a que me refiro se fez nas flores dos ipês-amarelos, que floresceram na calçada do vizinho. Num amarelo tão intenso que até parece brilhar como ouro verdadeiro. E quando ventou – depois que notei o ouro no chão – pensei: “se nevou em SP em 17, na Marília de 2021, pela quantidade de ipês-amarelos, fica a impressão de que está ‘chovendo ouro’ em torno dos ipês.”