Não caminhar em vão
Ele era “turco” de nascimento, aliás, no seu primeiro. Nasceria uma segunda vez aos 28 anos, provavelmente, quando encontrou o Ressuscitado no caminho para Damasco. Até ali, fora um dos doutores da Lei judaica, fariseu convicto e cidadão romano de direito. Era tanto respeitado nas sinagogas, quanto temido pelas ruas, terrível para homens e mulheres que ousavam seguir o carpinteiro de Nazaré. O mesmo que fora sentenciado à cruz pelo Império Romano e que havia anunciado a Boa Nova, o novo modo de ser, de viver e perdoar, e de servir a Deus.
A luz de Damasco lhe cercou, lhe chegou de supetão, de forma tão intensa e avassaladora – provavelmente entre os anos 31 e 36 da era cristã – que o arrebatou ao chão. “Saulo, Saulo, por que me persegues?”. Quem relata o passo a passo da conversão de Saulo para Paulo de Tarso é outro “turco” de nascimento e médico de profissão, Lucas.
Lucas, tido como o único biógrafo de Maria de Nazaré, a Mãe do Cristo, além de legar um dos quatro Evangelhos canônicos – os outros três foram escritos pelos evangelistas João, Marcos (que também se chamava João, João Marcos) e Mateus (que se chamava Levi) – tinha alma de escritor.
Em “Médico de homens e de almas”, a escritora inglesa Taylor Caldwell (1900-1985) esmiúça em 700 páginas a trajetória do homem que, pouco tempo depois dos acontecimentos em Jerusalém, procurou o discípulo João para entrevistar Maria de Nazaré e saber mais sobre ela e Jesus.
Lucas preservou, em “Atos dos Apóstolos”, a sobrevivência do cristianismo no ano I da sua formatação. Neste ofício de repórter e de escritor, retratou a história de Paulo, cuja data de conversão é lembrada em 25 de janeiro – no Brasil, o dia 25 de janeiro é o aniversário da sua maior cidade, São Paulo, fundada pelos padres jesuítas 470 anos atrás.
Ao ficar cego em Damasco, os olhos de Paulo – assim como os do grego Homero, narrador da “Ilíada” e da “Odisséia” – se voltaram para o interior da alma. “Saulo, Saulo, por que me persegues?”, a voz que ecoou na sua conversão, segundo “Atos dos Apóstolos”, veio do próprio Cristo. “E, indo no caminho, aconteceu que, chegando perto de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu”, escreve São Lucas.
Da conversão ao início da missão, percorrendo várias regiões do mundo antigo, teriam se passado pouco menos de três anos. As cartas de Paulo edificaram a igreja, unificaram o cristianismo e, para uma teoria da Educação, teriam inaugurado o modelo de ensino a distância, dado ao seu alto conteúdo de teor instrutivo.
Em “Paulo, o apóstolo de Cristo”, longa-metragem de 2018, com roteiro e direção de Andrew Hatt, o ator inglês James Faulkner – de sobrenome de peso na Literatura Americana, por remeter a William Faulkner – interpreta Paulo e consegue verbalizar os mais belos textos daquele que foi chamado de apóstolo dos gentios. O ator Jim Caviezel – que fez Jesus no filme de Mel Gibson, “A paixão de Cristo” (2004) – vive Lucas, em outra impressionante atuação.
Paulo deixou 14 cartas, que estão na Bíblia, e todas elas podem nos ensinar a não caminhar em vão. Um dos textos mais edificantes que já li está na segunda carta a Timóteo, capítulo 4 , versículo 4, digno de epílogo de toda uma vida.
Antes de recomendar a Timóteo o dom da prudência o tempo todo, Paulo avança na orientação, mas se despede do desta existência e, praticamente, dá um perfeito adeus ao mundo. “Quanto a mim, estou perto de ser imolado e o instante da libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé.”
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com