Luto – Marília perde o empresário e filantropo Milton Tédde aos 84 anos
Marília e região em luto. Faleceu nesta quinta-feira (25), aos 84 anos de idade, o empresário e filantropo Milton Tédde.
O atual provedor da Santa Casa de Misericórdia da cidade faleceu no próprio hospital de causas naturais.
Com a capacidade de transformar sua própria história, de sua família e de sua cidade, Milton Tédde deixa o legado de um homem visionário, que esteve além do seu tempo.
A conquista pelo trabalho, honestidade, honra à palavra empenhada e o amor ao próximo marcam a trajetória do empresário.
Relevante em sua geração e dono de vários títulos e homenagens ao longo da vida, Tédde influenciou o progresso econômico e social de Marília por mais de 60 anos.
Ele é lembrado, principalmente, pelo empreendedorismo e filantropia, as faces mais visíveis de uma respeitada figura pública.
Referência para três gerações, Milton Tédde deixa a esposa Bárbara Dabus Tédde e quatro filhos: Vilma, Milton, José Luiz e Fábio, além de dez netos e dois bisnetos.
O corpo será velado na sala 4 do Velório Municipal a partir das 11h30 desta quinta. O sepultamento acontece às 17h30 no Cemitério da Saudade.
Trajetória
O sucesso nos negócios e a dedicação à filantropia têm origem no sonho de um menino pobre, que desde cedo, por necessidade, aprendeu a trabalhar, partilhar e retribuir.
Milton Tédde nasceu em Rincão (região de Araraquara) em fevereiro de 1937. Filho dos imigrantes sírios Ignácio Miguel Tédde e de Bárbara Gaba Tédde, mudou-se para Marília com a família aos 11 anos, em março de 1948.
A mãe viveu parte dos horrores da segunda Segunda Guerra Mundial, desafio determinante para forjar seu instinto de sobrevivência. Transferiu para os filhos, além de valores, a vocação para a liderança.
Milton assimilou as lições da mãe e acrescentou as influências do pai, um homem de pouca ambição, mas que fazia questão do trabalho.
“Como descendente de árabes, minha mãe comprou uma mala e uma série de armarinhos (linhas, botões, zíperes, agulhas, aviamentos em geral) e me entregou, para eu trabalhar como mascate”, contou o empresário em depoimento à Comissão de Registros Históricos de Marília em 2014.
Dona Bárbara cuidava de Milton e dos sete irmãos, enquanto o marido trabalhava como guarda-livros, uma espécie de técnico em contabilidade na época.
A amizade com as famílias Tanure e Zucaipe – a quem o empresário agradeceu em seu depoimento – foram determinantes para a mudança de Rincão ser bem sucedida. Mas a renda do pai era baixa e as necessidades eram muitas.
“Mesmo garoto, eu trabalhava e muito. No mercadão chegava às 3h da manhã e ia até o meio dia, para ganhar 1/4 de um queijo fresco. Era o que, naquela época, você ganhava e levava para sua casa, em mais de oito horas de trabalho”, contou.
“Como éramos em oito irmãos, a minha mãe repartia em oito fatias. Quando dava, em dez. Os filhos comiam e, se desse, ela e meu pai também comiam. E era assim, sempre enfrentando todas as dificuldades”, explica Tédde.
A disposição e habilidade do garoto para vendas logo foi observada pelos comerciantes locais. O primeiro emprego foi na Casa Matos, do pioneiro Francisco Matos, na rua Coronel Galdino.
Depois trabalhou para o lojista Joaquim Belomo, dono da Casa Belomo de calçados. “A última empresa como funcionário foi a Loja do Queima, do José Vieira da Costa. Com 17 anos meu pai me emancipou. Comecei a trabalhar por conta”, relatou o empresário.
Assim, em 1954, ainda adolescente, Tédde abriu sua primeira alfaiataria. A confecção ficava no coração de Marília, na rua Nove de Julho. “A gente trabalhava muito, todo fim de semana, varava a noite inteira trabalhando”, registrou.
A qualidade e empenho no trabalho atraíram clientes. “Tive a felicidade de conseguir um contrato de prestação de serviço com a Companhia Paulista de Estrada de Ferro e com a Cooperativa. A gente vendia para os funcionários, para descontar na folha de pagamento”, relatou.
Milton liderava os negócios, ao lado dos irmãos André e Michel Tédde. Os três cursaram apenas o chamado Ginásio – atualmente o Ensino Fundamental – mas ajudavam no sustento da casa.
Com o esforço dos três filhos mais velhos, dona Bárbara e seu Ignácio viram os mais jovens, que foram poupados do trabalho precoce, concluírem os estudos.
“Eu não tinha como estudar. Assumia muita responsabilidade com a família, com os clientes, os negócios estavam indo bem. Ainda bem jovem conheci a minha esposa para a vida toda, que por coincidência também se chama Bárbara como minha mãe. Tivemos quatro filhos”, contou Tédde.
Mesmo sem formação acadêmica, o empresário teve ensino básico qualificado, que na época ia muito além da alfabetização. Leitor habitual, afiado nos cálculos, interessado em política, história e cultura, fez vários cursos. Tédde acompanhou e superou muitos de sua geração.
Prosperidade
Entre as décadas de 60 e 80, a consolidação. Em 1961, o empresário abriu com os irmãos a Casa das Casemiras, que em 1965 passou a se chamar Tedde Tecidos Finos.
Em 1971 foi inaugurada a Tedde Confecções. Quatro anos depois, o filho de imigrantes foi eleito o “Comerciante do Ano” em uma eleição da Associação Comercial de Marília.
A popularidade só alavancou os negócios e em 1980, Milton inaugurou a Tecidos Gaba, que trabalhava com cama, mesa e banho, além de confecções em geral.
Em 1985 surgiu a Tedde Tecidos e Confecções, em uma ampla área de 1,2 mil m². Nessa década, a empresa atingiu mais de 100 funcionários e chegou a vender entre 20 e 25 mil metros de tecidos por ano.
Cinco anos depois, seguindo tendência de centros de compras, inaugurou a loja Tedde Moda Masculina na Galeria Atenas.
Na década de 90 uma mudança de foco. O empresário encerrou parte das lojas e transferiu os negócios para o filho Milton, que revitalizou e reposicionou a marca, atualmente presente nos dois principais shoppings de Marília.
Como atividade econômica, Milton Tédde ampliou sua dedicação à pecuária, amor absoluto no fim da vida. No campo buscava mais contato com a natureza, com suas raízes de garoto pobre de Rincão. Era na fazenda que ele se reenergizava para encarar os desafios na cidade.
Com o empreendedorismo no DNA da família, o empresário não teve dificuldades para ‘passar o bastão’ nos negócios. A prosperidade conquistada permitiu reduzir o tempo dedicado ao trabalho para si mesmo. Inversamente, aumentou sua participação na filantropia da cidade.
Engajou-se ainda mais na área da saúde, onde já havia colaborado desde a década de 60, e iniciou uma imersão na filantropia do Sistema Único de Saúde (SUS).
A inquietude é uma das características de Tédde, mas com a maturidade e as conquistas, há vários anos ele já fala em contentamento. “Tem hora que eu paro e penso: eu não poderia ter tido uma vida melhor do que a que eu tive”, disse em seu relato para a posteridade.
Tempo de retribuir
O empresário não esperou o auge da prosperidade para ajudar a cidade que o adotou. Cercado por familiares e amigos, ao receber o título de Cidadão Mariliense em 2012, ele declarou: “Eu trabalhei por Marília, mas Marília também trabalhou por mim”.
Foi a abertura de um discurso de agradecimento pela honraria que ele dedicou às “Bárbaras de sua vida”, ao modesto e honrado Ignácio, aos filhos, aos amigos de Marília, aos clientes, aos companheiros de jornada na filantropia.
A liderança nata incluiu Tédde nas principais empreitadas para o desenvolvimento de Marília. Ele participou dos esforços para a formação da Faculdade de Medicina de Marília (Famema). Era o mais jovem entre os pioneiros.
Durante 18 anos fez parte do Conselho que administrava a instituição. A convite do médico e filantropo Christiano Altenfelder, passou a colaborar com a Santa Casa de Marília, onde seguia atuando como provedor.
Associado do Lions Clube (e presidente por duas vezes), foi um dos fundadores e diretor da Legião Mirim de Marília – mantida pelo clube de serviço – e fez do incentivo ao trabalho com foco na aprendizagem uma de suas bandeiras.
“A família e o trabalho são as nossas bases. Temos que ter cuidado com a juventude. Hoje vejo com muita preocupação a forma como o governo lida com isso. Menor não pode trabalhar”, disse em 2014. “Se eu tivesse sido impedido, não teria sido quem eu sou”, afirmou em depoimento à Comissão de Registros Históricos.
Outras entidades de Marília também contaram com sua contribuição, como a Associação Comercial, o Sindicato Rural de Marília, Sociedade Agropecuária de Marília, o Marília Tênis Clube, e o Marília Atlético Clube (MAC), onde foi vice-presidente de patrimônio.
A gestão financeira de Tédde, área onde sempre esteve à vontade, ajudou a ampliar as riquezas do Marília Atlético Clube. Foi na gestão dele que o Tigrão construiu um prédio próximo ao estádio, que anos depois acabaria perdido por outras gestões em ação judicial.
Também foi estruturado o projeto que deu origem a um Centro de Treinamento para o clube, com piscinas, campo de futebol e ampla estrutura no Jardim Cavallari (zona Oeste).
A proposta era tirar crianças e adolescentes das ruas e descobrir atletas. O projeto também sucumbiu após mudanças na gestão e a saída do empresário.
Legado na Saúde
Nos últimos anos o mariliense deu ênfase para a sucessão. Para ele, líderes bem sucedidos devem se preocupar com o futuro das organizações, das famílias e das cidades.
O empresário defendeu ainda a profissionalização da gestão nas organizações sociais – mantendo-se diretoria voluntária, mas com equipe técnica de funcionários qualificados para gerenciamento.
Na prática, é a modernização das entidades, algo que ele implementou com maestria na Santa Casa de Marília, desde que assumiu a provedoria em 2007.
Milton Tédde saneou as contas com o hospital com a ajuda da diretoria. Pacificou as relações institucionais e aproximou o hospital de entidades referência, como a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de São Paulo (Fehosp), a qual se tornou diretor administrativo.
“É muito importante respeitar as autoridades que estão no poder. Mesmo, às vezes, não aceitando aquilo que eles fazem, mas temos que respeitar. Se a população pensasse dessa maneira, em construir soluções em conjunto, não só Marília, mas o Estado de São Paulo e o Brasil estariam melhores”, disse.
Com a liderança estadual reconhecida, Tédde tornou–se membro do Conselho Fiscal da Confederação das Misericórdias do Brasil (CMB). O trânsito em Brasília trouxe recursos para a modernização e expansão da Santa Casa de Marília, em um trabalho plural, suprapartidário.
“Enquanto eu tiver saúde, eu vou atrás. Não tenho preguiça, porque acho que a nossa população precisa de ajuda, o Poder Público precisa de parcerias. As entidades precisam de ajuda. Eu faço com satisfação”, ressaltou.
Pelo trabalho realizado, foi premiado. Em 2012 recebeu o “Prêmio Administrador Emérito – categoria Hospital Filantrópico”, conferido pela Federação Brasileira de Administradores Hospitalares (FBAH).
O título emérito já foi entregue a personalidades como Henrique Duarte Prata, do Hospital do Câncer de Barretos, e Antônio Carlos Forte, superintendente da Santa Casa da Capital. No mesmo ano, tornou-se Cidadão Mariliense, em solenidade na Câmara Municipal.
Família
Referência para três gerações, Milton Tédde deixa a esposa Bárbara Dabus Tédde e quatro filhos: Vilma, Milton, José Luiz e Fábio, além de dez netos e dois bisnetos.
“Tive muitas alegrias na minha vida, conhecer a Bárbara, minha mulher, companheira para a vida toda foi uma dessas alegrias. Construí uma família com ela e ainda pude encontrar condições, por ela ser tão generosa, de ajudar as pessoas. Se eu fiz tudo que fiz, foi porque tinha ela do meu lado”, disse.
Como a vida ensinou a produzir sucessão e legado, Milton Tédde se dedicou a transmitir o que aprendeu para os filhos e netos.
Firme nas palavras, mas um conselheiro afetuoso, não cansou de ensinar em vida. É a velha mania de se doar, na certeza de que aquele que compartilha, sempre recebe muito além daquilo que entregou.