Moradores de SP se mobilizam para construir ecobairro
Construir do zero um bairro sustentável, com as tecnologias disponíveis hoje em dia, é até fácil, mas o que fazer com bairros antigos, consolidados, com nascentes ocupadas, poucas árvores, córregos poluídos e na mira dos projetos de adensamento populacional?
Como fazer um bairro normal, com problemas, se transformar em um ecobairro? Esse é o desafio que se propôs a enfrentar um grupo de moradores das vilas Jataí, Beatriz e Ida, na zona oeste paulistana.
Na verdade, eles só foram entender esse conceito mais recentemente. No começo era só um sonho. O “bairro dos sonhos”.
As ideias de transformação, que começaram quase como uma brincadeira em uma barraca na festa junina anual da Vila Jataí – onde os moradores eram convidados a deixar post-its com mensagens sobre o que gostariam de ter ou ver no bairro -, num primeiro momento refletiam mais o que eles não queriam: grandes prédios, grandes comércios, violência.
“Havia uma dificuldade em sonhar”, lembra a administradora Cecília Lotufo, dona de uma pizzaria no bairro e uma das idealizadoras da mobilização. Mas com o passar do tempo, o simples fato de os moradores se unirem no processo de construção da festa possibilitou que eles começassem a enxergar o que era possível mudar no bairro. Com as próprias mãos ou por meio de solicitações ao poder público.
“Fomos alimentando a ideia de ter um ecobairro antes mesmo de ter o nome”, diz Cecília, que acabou se tornando membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (Cades).
Foi assim que conseguiram recuperar uma casa da prefeitura abandonada havia quase 15 anos, na Praça Valdir Azevedo, na Vila Ida, que se tornou sede do grupo. O trabalho de revitalização, que incluiu também a própria praça, serviu de piloto para a criação da lei sobre gestão participativa de praças, sancionada pelo então prefeito Fernando Haddad, em 2015.
Busca das nascentes
Com a casa, surgiram as preocupações com a água. Não havia fornecimento na rua, então os moradores bolaram um sistema de captação da água da chuva. Hoje o grupo Jovens Profissionais do Saneamento trabalha na construção de cisternas com filtros. “Veio a ideia de ser sustentável, ver a coisa completa, entender a situação dos córregos, das nascentes”, conta Cecília.
O grupo, que nessa altura já tinha se aliado a moradores da vizinha Vila Beatriz, onde fica a hoje famosa Praça das Corujas, começou um trabalho de mapeamento das nascentes. Descobriram que estão em uma região particularmente rica. Apenas em uma caminhada de 3 km, na qual dezenas se engajaram, eles encontram 16 nascentes. Muitas em péssimas condições, com ocupações irregulares.
A mobilização foi chamando a atenção de outros moradores. “As pessoas saíram na janela e contavam sobre as nascentes que tinham debaixo de suas casas”, conta Mauricio Ramos de Oliveira, vizinho da Praça das Corujas, que faz o monitoramento da qualidade da água do Córrego das Corujas.
Surgiram outros levantamentos, como de declividade e de ocupações irregulares, que fornecem informações importantes desde sobre riscos de desmoronamentos e de enchentes a até proliferação de mosquitos.
A ideia era nortear como devia ser o ordenamento territorial, num momento em que se discutia na Prefeitura o novo Plano Diretor da cidade. A proposta da administração era transformar os bairros em zona mista, com maior adensamento, para aproximar mais gente dos corredores de transporte público que cercam a área. Isso a comunidade não queria.
“Não era um lobby de elite que quer proteger seu modo de vida, mas vimos que já tínhamos tantos problemas. Propusemos um adensamento menor, com prédios de quatro andares em vez de oito, e a transformação de casas abandonadas enormes que temos na região e que poderiam virar moradias coletivas”, explica Cecília, sobre a sugestão que o grupo fez no plano de bairro enviado à Prefeitura para que a região fosse uma zona preferencialmente residencial (ZPR), o que foi aceito.
O trabalho de declividade mostrou, por exemplo, que a Cerro Corá é a área mais alta da região e, justamente por isso, concentra as nascentes. Mas por ser um corredor de ônibus, era um atrativo para o adensamento. “Pensamos num zoneamento especial para blindar as nascentes. É um corredor, mas é também uma área de proteção ambiental”, diz Cecília.
“Esse olhar atento que busca o contexto da microbacia é uma premissa para o ecobairro, mas deveria fazer parte de todo zoneamento”, explica a arquiteta Lara Freitas, especialista em ecobairros que se uniu ao grupo inicialmente como consultora e hoje faz parte dos trabalhos.
‘Jardim de chuva’
Outro resultado prático de toda essa mobilização foi um trabalho de melhoria na manutenção das praças da região e de aumento da arborização e da permeabilização das ruas. Capitaneado pela médica Thaís Mauad, a ideia foi pedir autorização a Prefeitura Regional de Pinheiros para a transformação de canteiros de ruas, até então cobertos apenas de asfalto, em áreas verdes. Isso já foi feito em oito. Um deles virou um “jardim de chuva”, uma espécie de florestinha, e os outros foram alterados com técnicas de permacultura típicas das hortas urbanas.
“Com a vegetação, a água, em vez de escorrer pela rua, é absorvida, passa por um processo de filtragem e ou vai mais devagar para o esgoto ou acaba aumentando o lençol freático”, explica Thaís.
O projeto foi doado por um paisagista. O material foi comprado pela comunidade e coube à Prefeitura apenas autorizar a modificação.
O grupo também promoveu plantio de árvores em uma avenida que não tinha praticamente nenhuma e melhorou o manejo das praças. Folhas caídas, que antes, nos trabalhos de varrição, acabavam indo para aterros, passaram a ser usadas para “coroar” o entorno das árvores, o que enriquece o solo e traz mais umidade e proteção.
Em outra frente, foi proposta a abertura das caixas de árvores de ruas, um dos principais motivos de estrangulamento das plantas e suas eventuais quedas. Agora, o grupo estuda colocar composteiras nas praças para digerir o material orgânico. E no planejamento da festa junina deste ano, a ideia é que ela seja “resíduo zero”.
Tudo isso faz da região um ecobairro? Talvez ainda não, mas é um bom começo. “O mais importante é entender que ecobairro não é um projeto, mas um processo sem fim. É um programa permanente”, ensina Lara. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.