STF condena morador de Marília a 14 anos por ato em Brasília
O drama que se desenrola na vida de Rodrigo Freitas de Moro Ramalho, morador de Marília, é um roteiro carregado de angústia, lutas e, injustiças para alguns e justiça para outros. O veredito do Supremo Tribunal Federal (STF), na última semana, anunciando uma sentença para ele de 14 anos de prisão em regime fechado, ecoou como uma bomba na vida de sua família. A acusação? Envolvimento nos atos golpistas que sacudiram Brasília no fatídico dia 8 de janeiro de 2023.
Ramalho permaneceu sete meses preso logo após os atos e somente pôde retornar para Marília com o uso de tornozeleira eletrônica. Quando a sentença transitar em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso e a decisão judicial se torna definitiva, ele pode regressar à prisão para cumprir a longa pena.
Mas a dor desse drama não se limita a Rodrigo. Sua esposa e seus dois filhos carregam consigo um fardo pesado demais para os frágeis ossos que os sustentam. A mãe e duas crianças são afetadas pela osteogênese imperfeita, popularmente conhecida como ‘doença dos ossos de vidro’.
A anomalia é caracterizada pela fragilidade e deformidades ósseas, o que leva à facilidade de fraturas. É uma doença de origem genética e considerada rara. A esposa e os filhos, um deles também autista, vivem sob a constante ameaça de fraturas, mesmo em seu próprio lar.
Conforme julgamento, que teve início no último dia 19 de abril e terminou no dia 27, Ramalho foi condenado por envolvimento nos crimes de tentativa abolição do estado democrático de direito, golpe de estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada.
O relator do caso foi o ministro Alexandre de Moraes, acompanhado na votação pelos ministros Flávio Dino, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Luiz Fux. Os ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin acompanharam o relator com ressalvas.
Zanin e Fachin entenderam que o morador de Marília deveria pegar 11 anos de prisão, sendo 10 anos e seis meses de reclusão, mais seis meses de detenção.
Já os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luís Roberto Barroso não concordaram com os argumentos e divergiram do relator.
Barroso divergiu parcialmente, com o entendimento de que as circunstâncias descritas se aplicam somente para o crime de golpe de estado. O ministro considerou a tentativa de deposição do governo legitimamente constituído, por meio de violência ou grave ameaça.
Mendonça pediu a condenação do réu apenas por tentar abolir o estado democrático de direito e pediu que ele fosse condenado a cumprir pena de quatro anos e dois meses de prisão, sendo absolvido das demais acusações.
Marques foi o único que pediu pela absolvição de Ramalho de todas as acusações.
Segundo a decisão do STF, a pena ficou fixada em 14 anos de prisão, sendo 12 anos e seis meses de reclusão e um ano e seis meses de detenção. Ficou fixado ainda o regime fechado para o início do cumprimento da pena.
DEFESA NO CONGRESSO
O caso do morador de Marília ganhou repercussão após ser defendido pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), em março do ano passado. O parlamentar explicou que a família de Ramalho tem um problema genético conhecido como ‘doença dos ossos de vidro’ e um de seus filhos é autista.
Ferreira afirmou que Ramalho não estava quebrando nada durante a confusão em Brasília. “As pessoas que cometeram crimes têm que ser punidas e ponto. Para mim, se fez errado, tem que se ferrar e acabou. Agora, existem pessoas que estão ali de uma maneira injusta. Histórias que não estão sendo de fato averiguadas. Pessoas que estão passando por uma injustiça”, disse o parlamentar na época.
OSSOS DE VIDRO
O Marília Notícia tentou contato com a família de Ramalho, mas com medo de represálias, eles decidiram não dar novas entrevistas sobre o caso. No entanto, em entrevista anterior ao Portal Bureau de Comunicação, Rodrigo contou um pouco do drama após sua prisão.
Segundo o mariliense, a esposa de 34 anos, e seus dois filhos de 10 e 12 anos, devido à osteogênese imperfeita, sofrem com pequenos acidentes que resultam em fraturas de ossos, mesmo dentro de casa. Conforme Ramalho, a mulher já teve mais de 20 fraturas, assim como o filho mais novo. O filho mais velho já sofreu 10 fraturas.
A doença interfere nos tecidos dos órgãos do corpo e coloca em risco o rompimento das artérias, além de apresentar o problema de ossos quebradiços. A partir dos 30 anos, também pode começar a degeneração da audição.
Além de ter ‘ossos de vidro’, o filho mais novo é autista e toma remédio para tratamento. A Procuradoria Geral da República chegou a notificá-lo por ter saído de sua residência em um sábado para comprar remédio. Sua justificativa foi aceita pelo STF, mas Rodrigo correu o risco de ter sido novamente preso.
PROBLEMAS PARA TRABALHAR
Ramalho morava em São Paulo, onde trabalhava como garçom, mas com as necessidades familiares, decidiu se mudar para Marília, onde atuava como entregador de aplicativo, por causa dos horários mais flexíveis. Por muitas vezes, ele tinha que parar o trabalho para socorrer a família.
Além disso, como parte da punição por participar dos atos golpistas, Ramalho teve suas contas bloqueadas por decisão do ministro Alexandre de Moraes e não consegue mais atuar como mototaxista por outro aplicativo, trabalho que ajudava nas contas de casa. Com restrição de bloqueio determinada em R$ 19 milhões, qualquer valor que for depositado em seu nome permanecerá retido.
A família também encontra-se em uma situação delicada, com todas as atividades laborais proibidas devido à condição de ossos frágeis que afeta seus membros. Mesmo dentro de casa, o cuidado é constante, pois um simples movimento pode resultar em uma fratura, como no caso recente de um dos filhos, que se machucou ao acidentalmente chutar um móvel.
As restrições se estendem às atividades cotidianas das crianças, que são impedidas de participar de brincadeiras com impacto ou risco de queda, contando com acompanhamento especial na escola e no transporte, graças à organização do município de Marília para atender às necessidades de portadores de deficiência.
Enquanto enfrentava sua prisão, a esposa de Rodrigo enfrentou desafios dobrados, tendo que lidar com a responsabilidade integral dos cuidados com os filhos, que frequentemente sofrem fraturas em situações aparentemente triviais, como torcer a perna ao passar um pano ou carregar um simples balde d’água.
TIRO DE GUERRA EM MARÍLIA
Ao portal, ele contou que insatisfeito com o desfecho das eleições de 2022, passou a frequentar o “QG de patriotas”, acampamento montado por bolsonaristas em frente ao Tiro de Guerra de Marília, situado na zona norte da cidade.
Influenciado por outras pessoas, Ramalho decidiu ir para Brasília em uma manifestação política no início de janeiro de 2023, acreditando, segundo ele, que seria pacífica e ordeira, como outras que já havia participado, mas nada foi como o esperado. Ele ficou preso em Brasília, atrás das grades por sete meses.
“Não quero voltar para o presídio. Não é lugar para mim. Uma pessoa que nunca cometeu qualquer crime, que sempre arcou com os seus compromissos, cuidou de sua família, não pode ser tratado dessa forma pelo Estado Brasileiro. Desde que voltei da prisão em Brasília, tento aproveitar ao máximo a minha família, mas tenho um sentimento de desespero. Eu confesso que prefiro morrer a voltar para o presídio”, finaliza Ramalho em entrevista para o Bureau de Comunicação.