Morador de Marília por 62 anos tem diário de guerra publicado
“Ainda no cais percebemos que a cidade havia sido impiedosamente bombardeada pelos americanos, pois dois dias antes estava ocupada pelos alemães. Os prédios estavam perfurados pela artilharia aliada”.
Os escritos são de Flávio Villaça Guimarães, que morreu aos 89 anos em uma manhã de agosto de 2012, como o último combatente da 2ª Guerra Mundial residente em Marília. Na época o herói mariliense foi sepultado com salva de tiros no Cemitério das Orquídeas, na zona Oeste.
Neste sábado (19), cinco anos, oito meses e 23 dias depois, seus filhos realizaram uma homenagem póstuma com o lançamento do livro baseado no diário de guerra feito por Guimarães quando serviu na Itália, onde escrevia todos todos os dias.
“Segunda Guerra Mundial – Memórias de um ex-combatente” conta com tiragem de 1,5 mil exemplares e teve a adaptação dos manuscritos originais feita pelo professor de História Marcelo Sampaio, que assina a apresentação do livro com o professor da Unesp Paulo Teixeira e contextualiza a participação brasileira no conflito na segunda parte da publicação.
Em entrevista ao Marília Notícia, Marcelo Sampaio falou do processo de pesquisa e realização da obra, que levou aproximadamente dois anos de trabalhos constantes.
“Eu, junto com a Lúcia, filho do Villaça, entrei em contato com muito material, manuscrito e datilografado. Com base nas conversas que tive com o Villaça preenchemos algumas lacunas e preparei alguns textos para contextualizar o leitor”, afirma Sampaio.
De acordo com ele, o brasileiro pouco sabe sobre a participação do país na 2ª Guerra. “Na Itália são feitas comemorações anuais nas em algumas cidades libertadas pelos pracinhas do domínio alemão”, conta.
O lançamento do livro reuniu familiares, amigos e imprensa no hotel Estoril, onde a reportagem conversou com dois dos sete filhos de Guimarães, o delegado aposentado e advogado Flávio Rino e o publicitário Carlos Alberto Rino Guimarães.
“Ele tinha um orgulho indisfarçável de ter participado da 2ª Guerra Mundial como soldado brasileiro das forças aliadas e contava na roda de família, na mesa, as passagens, o lado cômico também, não era só desgraça, desalento”, relembra Flávio Rino.
Carlos Alberto, mais conhecido como Beto, e apontado pelo irmão como responsável por viabilizar a publicação, reforça que a obra retrata principalmente o cotidiano dos soldados, mas não tem propriamente a história dos combates, do campo de batalha. No entanto, também não ficaram de fora os relatos sobre apuros e tragédias de amigos que perderam a vida no front.
Em uma das páginas de seu diário, o combatente anota: “Comando permitiu que passeássemos pela redondeza, sem nos distanciarmos muito do acampamento. As casas italianas eram rudes, não havendo comércio algum. O povo estava alimentando-se apenas com castanha que havia armazenado há seis meses, fim do ano de 1943. A miséria assolou quase toda a Itália”.
Guimarães ficou na Itália por um ano, até a rendição dos alemães. Ele voltou ao Brasil em 1945, se formou em Direito e mais tarde Economia. Era natural de Caçapava, mas em 1950 se casou com a professora Eunice e mudou para Marília, onde viveu até seu falecimento.
Foi professor, trabalhou como economista e advogou por muitos anos na cidade. Era conhecido por ser extremamente organizado.
Ele recebeu a condecoração da medalha da Cruz de Combate de 1ª Classe, honraria conferida aos que na Segunda Guerra “praticaram atos de bravura ou revelaram espírito de sacrifício no desempenho de missões em combate”.