Pressão e tempo são duas condições comuns à rotina de uma pessoa que cumpre pena em uma prisão. Pressão e tempo também consistem nos fundamentos de processos geológicos.
As conexões destes dois fatores e as de uma penitenciária com a geologia e os estudos das rochas estão no filme “Um sonho de liberdade”, longa de 1994 dirigido por Frank Darabont inspirado em um conto de Stephen King, “Rita Hayworth and the Shawshank redemption”.
Poucos se dão conta que o filme nasceu a partir de um texto de um autor consagrado e aclamado como o autêntico gênio do terror. Quem leu o conto de King e viu o longa afirma que Darabont, que também assina o roteiro, se manteve fiel o tempo todo – uma das raras interferências foi com relação ao personagem “Red”.
Quem já viu o filme pensa em se tratar de um caso verídico, a exemplo de “Alcatraz”, de Don Siegel, com Clint Eastwood no papel principal como o sentenciado Frank Morris ou ‘Papillon’, com Steve McQueen e Dustin Hoffman, baseado no livro homônimo de Henri Charrière.
Charrière, francês radicado na Venezuela, escapou da prisão na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa.
“Um sonho…” também não tem a veracidade dos relatos que foram recolhidos pelo médico Dráuzio Varella e, após sair em best-seller, ganhou as telas pelas lentes de Hector Babenco e um elenco que garantiu a mesma veracidade do livro. Mas, fica aquela pergunta: “será que King não se baseou em algo verídico?”.
Até o momento, não achei nada que comprovasse se tratar de um relato real, aos moldes do que inspirou o escritor Érico Veríssimo em “Saga” – no livro do gaúcho, pai do escritor Luís Fernando Veríssimo, os diários de um ex-combatente da Guerra Civil Espanhola nortearam a escrita.
“Um sonho de liberdade” é feito um “O conde de Monte Cristo” contemporâneo, com os mesmos ingredientes que atraem e empolgam o público: herói injustiçado, inteligência para superar o sofrimento, esforço e ânsia por vingança – vingança ainda que sutil e pouco expressada pelo personagem central.
Aliás, quem vê o filme inspirado no conto de King notará a referência ao Conde na cena onde os presos estão catalogando os livros para a recém-inaugurada biblioteca da detenção. Os homens, quase todos iletrados, ficam na dúvida quanto ao sobrenome de Alexandre Dumas.
Se os pequenos sedimentos formam rochedos, montanhas e imensas cordilheiras, o filme tem seus cascalhos de alicerces em outras tramas de prisão. O próprio testemunho de Charrière pode ter servido de inspiração para Darabont. Basta associar a cena da tentativa de reinserção social de “Red”, vivido por Morgan Freeman [foto], o narrador da trama.
O detento em condicional não perde o hábito de solicitar permissão antes de ir ao banheiro. O francês fugitivo da Ilha do Diabo bem sabia disso. Freeman, em atuação impecável, não saberia que na década seguinte voltaria a interpretar um narrador, o velho boxeador de “Menina de Ouro”, dirigido e produzido por Clint Eastwood, o que lhe renderia um Oscar de Ator Coadjuvante.
“Um sonho de liberdade” funciona como uma metáfora da vida: lenta em momentos de sofrimento. O longa ensina que junto com a letargia causada pelo sofrimento, não devemos desperdiçar o tempo [ainda que ele, o tempo, seja a única coisa em excesso que podemos ter] e aplicarmos à mesma marcha um objetivo. Objetivo que pode ser alcançado aos poucos, vencido devagarinho, mesmo sob forte pressão: um passo, depois outro e, logo em seguida, mais um. Ao final, a jornada está completa.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.