Menos chatbot e mais Augusto dos Anjos
Quando conheci a obra de Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta pré-modernista na concepção de Ferreira Gullar (1930-2016), mas parnasiano e simbolista para tantos outros críticos literários, refutei de cara, estava no 1º ano do Ensino Médio e lemos na sala de aula, na disciplina de português, as poesias de Augusto, que de “Anjos”, não tinha nada.
Pesado, sombrio e desesperançoso me pareceu aqueles versos. Aliás, versos estes que só iriam me arrebatar e fazer decorar estrofes muitos anos depois daquela manhã de 1995. Redigi, naquela oportunidade, uma crítica descendo a lenha no pobre coitado do Augusto.
Me recordo que, naquele momento, defendi que a poesia deveria ser sempre alegre, otimista, retratando um mundo melhor e por aí. Era equívoco de principiante, sem deixar de ser um anseio de adolescente que começava a descobrir as novas cores da vida. Hoje não atacaria Augusto dos Anjos, mas sim elogiaria feito um fã que se ofende quando xingam seu cantor preferido.
A minha inclinação para a obra de Anjos se deu por duas vias, a primeira foi pelo próprio Ferreira Gullar.
Em entrevista ao apresentador Jô Soares (1938-2022), Gullar dispara de cabeça os primeiros versos de “As cismas do destino”: “Recife. Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em direção à casa do Agra. Assombrado com a minha sombra magra. Pensava no destino, e tinha medo!”.
No poema, pelo que soube depois, “casa do Agra é uma referência ao cemitério de Recife. Depois, vi o curta-metragem “Di’, dirigido por Glauber Rocha (1939-1981) lançado em 1977, e logo na abertura o cineasta baiano lê os versos iniciais de “Versos Íntimos”, poema “meio” escatológico de Augusto justamente pelo trecho final, onde se lê: “Escarra nessa boca que te beija”.
“Di” consistiu num curta polêmico, Glauber registrou o velório do artista plástico modernista Di Cavalcanti (1897-1976) e o filme chegou até mesmo ser vetado por uma decisão judicial em liminar a favor da família do modernista, no ano de 1979.
Citei Augusto dos Anjos e a minha transformação sobre sua obra – de adverso à leitor assíduo – para refletir sobre a novidade do momento – os sites e aplicativos de inteligência artificial chatbot.
Neste espaço virtual, você joga ideias, e recolhe sínteses, propostas e até trabalhos. Porém, não há qualquer efeito transformador – seja para quem solicita este fruto da pós-modernidade, seja para quem a absorve. Porque, como muitos dizem, é andando que se aprende a caminhar.
Entre a saída e a chegada, aí é que está o mérito e o crescimento. A chegada do chatbot me traz de memória algumas cenas do filme “Bye, bye Brasil” (Brasil, 1979), com a caravana “Rolidei” liderada por Lorde Cigano (José Wilker) e com Fábio Júnior fazendo um sanfoneiro.
Lorde Cigano, quando chegava nas cidades para instalar a trupe, dava uma olhada nas casas, à procura de uma espinha de peixe. Era assim que ele chamava as antenas de televisão, veículo que ele combatia, pois estava tomando espaço dos circos e dos mambembes. Os chatbots, pelo que estou olhando, podem ser novas espinhas de peixe para muitas profissões, a começar pelos poetas e escritores.
Esperançoso, sinto que nenhum chatbot terá a capacidade de encantar e de expressar, de fato, aquilo que Augusto dos Anjos expressou ou que Glauber Rocha rodou ou ainda o que Di desenhou. Aguardemos.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com