Memórias de um repórter do Interior de São Paulo
Por pouco uma parte considerável do acervo dos meus primeiros anos como repórter não foi parar na lata do lixo.
Dias desses, minha mãe me liga e mostra uma caixa cheia de pastas velhas, jornais e agendas que utilizei anos atrás. De pronto disse para ela se desfazer de tudo e jogar no primeiro caminhão de lixo que passasse pela rua da sua casa, em Paraguaçu Paulista (SP).
Porém – e como dizia o dramaturgo e jornalista Plínio Marcos (1935-1999), na vida, sempre tem um porém – meu pai, depois de saber que havia dito para que jogasse tudo no lixo, foi verificar o que estava ali guardado.
Logo de cara encontrou o meu TCC (trabalho de conclusão de curso), defendido em dezembro de 2000 na Universidade de Marília (Unimar), e feito em conjunto com o jornalista Francisco Carlos Vaz, grande amigo de Campos Novos Paulista, que atualmente vive com sua família em Marília.
Estudamos o movimento rural sem-terra, os conflitos agrários e as relações humanas que se dão num acampamento rural formado por trabalhadores e por pessoas que almejam um pedaço de chão.
Na produção da grande-reportagem em forma de TCC, estivemos por algumas oportunidades no então acampamento rural sem-terra de Guarantã (SP), na região de Marília (SP).
O trabalho “Sem-terra de Guarantã, os caminhos da reforma agrária” teve como banca examinadora o saudoso professor doutor Roberto Reis, a mestre Maria Teresa Sabia Ferreira Alves e a professora doutora Mirian Cláudia Lourenção Simonetti, que lecionava no campus da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Marília.
Fomos orientados pela professora, mestre Maria Teresa, uma das docentes mais marcantes do curso de Jornalismo da Universidade de Marília, onde de 1997 a 2000 cursei e concluí a faculdade de Comunicação Social. Conquistamos a nota máxima, tiramos 10 no TCC e esse resultado nos animou muito, pois concretizou com mérito os esforços de quatro anos.
Nesta mesma caixa, salva pelo meu pai, havia uma pasta com as minhas primeiras matérias publicadas na Imprensa, veiculadas pelo semanário ‘A Semana’, de Paraguaçu Paulista.
A primeira matéria assinada por mim: ‘Mapeando cultura’ saiu em 30 de setembro de 1995 e, para redigi-la, entrevistei três atores que estavam na cidade como jurados do concurso cultural Mapa Cultural Paulista – organizado pela Secretaria de Estado da Cultura com o apoio da Prefeitura local – e também o então secretário municipal de Cultura, maestro Cícero Siqueira.
A pasta ainda guarda a entrevista com o compositor e cantor Kiko Zambianchi e outras matérias, como a entrevista com então prefeito municipal de Paraguaçu Paulista, Carlos Azoia – que morava na rua de nossa casa em Paraguaçu e pai do meu amigo de infância Ivan Azoia, que depois iria se tornar vereador da Câmara Municipal de Paraguaçu e atualmente é empresário em Marília), além da matéria com cantor e compositor Roberto Carlos, realizada em Presidente Prudente (SP).
“Às 17h30, o rei chegou ao shopping, onde muita gente esforçava-se para vê-lo de perto. Cumprimentou a todos e logo após começou o bombardeio de perguntas pela imprensa credenciada. Roberto Carlos respondeu à ‘Semana’ que música e negócios não se misturam: ‘os negócios devem caminhar dentro da sua meta e a música dentro da sua música. De um modo geral, as coisas devem caminhar paralelas sem se misturarem”.
Perguntei ao Roberto porque ele expressa em suas músicas o amor e a fé. Ele respondeu: “bicho, porque são as duas coisas mais importantes da vida; em primeiro lugar Deus, Jesus, Nossa Senhora e os Santos, que a gente tem fé. E o amor, uma coisa que vive na vida da gente, e Deus é amor”.
Em outro momento, Roberto fez uma declaração que hoje soa até como uma afronta às medidas de contenção para evitar a proliferação do coronavírus: “tudo que tem aglomeração de pessoas, tudo que tem sorriso, lembra a Jovem Guarda”.
A aglomeração, tão típica dos shows de outrora, não está sendo mais possível agora. Roberto encerraria a entrevista com uma fala que concentra a empatia que tanto falta em muitos dos atuais líderes: “sou a favor de tudo que beneficia o povo, de tudo aquilo que atende aos interesses e necessidades do povo”. Grande Rei!
Em outra pasta, salva pelo meu querido, meu velho e meu amigo, estava a edição do Jornal da Manhã, de Marília, de 22 de julho de 1999, com a manchete: ‘Incendiário ignora a polícia e queima mais 6 carros’. Reportagem escrita por mim, logo nas primeiras semanas na cidade, quando o então incendiário foi à forra e, numa espécie de ‘Noite de São Bartolomeu Cabocla’, ateou fogo em seis veículos.
Depois disso, o município de Marília propôs uma recompensa de R$ 5 mil para quem desse informações que levassem a polícia ao danificador de patrimônio particular. Porém, o incendiário e tudo que vivi na cobertura deste acontecimento – que obteve repercussão nacional – é pauta para outra crônica das memórias de um repórter do Interior de São Paulo.