Secretário da Previdência fala com exclusividade ao Marília Notícia
O mariliense Bruno Bianco atualmente ocupa um dos postos técnicos de maior destaque dentro do Ministério da Economia. Como secretário especial adjunto da Previdência e Trabalho ele se tornou figura frequente no noticiário nacional.
Mestre em direito e servidor público de carreira da Advocacia Geral da União desde 2008, Bruno chegou até a Casa Civil convidado por Michel Temer (MDB) para participar da elaboração da proposta do governo passado, que acabou não vingando.
Na atual gestão, foi convidado a trabalhar na proposta que agora tramita no Congresso Nacional e a defende com afinco.
Em entrevista exclusiva ao Marília Notícia, Bianco falou sobre os impactos da reforma nos municípios, desmentiu alguns mitos e disse que visita com frequência a cidade natal.
Ele também revelou que eventualmente se encontra com outros conterrâneos na Capital Federal, inclusive com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro José Antonio Dias Toffoli. Veja abaixo a reprodução da entrevista.
Marília Notícia – Afinal, existe ou não déficit da previdência? Essa questão está superada?
Bruno Bianco – O déficit existe. As próprias instituições que no passado alegavam com base em um cálculo bastante criativo, e totalmente equivocado, a inexistência do déficit, já o reconhecem. Eles deixam de contabilizar algumas verbas, alguns gastos para chegar nessa contabilidade criativa. Se equivocam em não colocar na conta a aposentadoria e inatividade dos servidores públicos. A verdade é que o déficit existe e ele é crescente. As imposições matemáticas não nos deixam fugir da necessidade da reforma da previdência, inclusive do ponto de vista demográfico. Além do déficit, a demografia também é perigosíssima. Sem qualquer dúvida, as instituições que antes não reconheciam o déficit, hoje reconhecem.
MN – O déficit é um buraco negro, como o ministro da Economia Paulo Guedes vem afirmando?
BB – Sem dúvida, faço as dele minhas palavras. É um buraco negro e com o envelhecimento da população ele só aumenta. O Brasil gasta muito com previdência e assistência. O Brasil é um ponto fora da curva, é um país ainda jovem e tem gasto de países antigos do ponto de vista previdenciário, o que nos preocupa muito. Até porque estamos envelhecendo muito rapidamente e tendo menos filhos.
MN – Hipoteticamente, a reforma da previdência não é feita. O que acontece principalmente com os serviços públicos nos municípios?
BB – Isso depende muito de cada município. Mas vamos partir de alguns pressupostos macro previdenciários. As regras dos servidores públicos valem para União, estados, Distrito Federal e municípios. Não só a União tem sofrido com isso, mas todos os entes têm sofrido muito. Temos pouquíssimos ativos para cada inativo. O sistema previdenciário que a gente vive hoje paga a aposentadoria daqueles que estão na inatividade, que estão aposentados. Então quando a gente tem o envelhecimento populacional e o número de servidores públicos muito pequeno frente aos servidores aposentados, isso é o colapso. O que acontece é que do Governo Federal ao município os gastos com aposentadoria estão inviabilizando os investimentos. Os gastos com previdência da União chegam a 50% dos gastos totais do governo. Então metade do que se gasta é com previdência e assistência. Para se ter uma ideia, no ano passado se investiu próximo de R$ 700 e poucos bilhões em previdência e assistência. Na saúde foram R$ 100 bilhões e 70 bilhões em educação. Isso só na União. São números aproximados que significam que estamos investindo muito em previdência e assistência e inviabilizando investimentos em saúde e educação, por exemplo. São verbas que vão para o Sistema Único de Saúde (SUS) e chegam diretamente no município. Então a gente está inviabilizando a política pública de saúde. Em 2019 estamos gastando próximo de R$ 900 bilhões em assistência e previdência e sobrariam R$ 30 e poucos bilhões para investimentos que são fundamentalmente nos municípios, que é onde as pessoas de fato vivem. E a maior parte em infraestrutura. Então você já vê a discrepância. Estamos próximo do colapso.
MN – Qual o impacto para da reforma para os institutos de previdência municipais, como o de Marília?
BB – Grande parte dos municípios está sofrendo com seus regimes previdenciários próprios e a reforma no início já traz alterações específicas aos servidores públicos, já limita os servidores no teto do regime geral, já coloca a necessidade de alíquotas suplementares, já cria novas regras de pensão, cálculos e acesso aos benefícios e se aplicam de imediato aos estados e municípios, que ainda terão que aprovar regras específicas de alíquotas suplementares. Mas a aprovação da reforma já cria um fôlego imediato para os municípios.
MN – Existe muita crítica de que a reforma seria especialmente dura com os mais pobres e algumas categorias. O que o senhor fala sobre isso?
BB – A proposta leva em conta a máxima de quem ganha mais, contribui com mais, quem ganha menos, contribui com menos. Obviamente que os servidores públicos que ganham pouco – o que é especialmente o caso dos municípios – não sentem tanta mudança. A alíquota previdenciária, por exemplo, vai prestigiar quem ganha menos. Então quem ganha até R$ 1.499 vai ser favorecido e vai pagar menos até do que paga hoje. Isso não vale só para o INSS, vale também para os servidores municipais. E obviamente a reforma é mais severa com os servidores que ganham mais. O sistema atual não é só insustentável, é também injusto. Ele transfere renda do pobre para o rico, uma espécie de Hobin Hood às avessas.
MN – Outro ponto que tem sido bastante questionado envolve o Benefício de Prestação Continuada (BPC). É verdade que futuros beneficiários podem passar a receber até R$ 400 por mês?
BB – O BPC é um alvo de muitos equívocos e fake news. O BPC não sofre alteração alguma. Nós condicionamos o requisito de renda, mas o benefício não sofre nenhuma alteração, continua vinculado ao salário mínimo. Também acontece a mesma coisa com o benefício para as pessoas idosas. Hoje o idoso recebe após os 65 anos um salário mínimo. No mundo todo o benefício assistencial não se confunde com o benefício previdenciário. O motivo é muito claro, você não pode dar o mesmo valor para uma pessoa que contribuiu 15 ou 20 anos e para outra com a mesma idade que nunca contribuiu. Então teríamos dois caminhos, ou você aumenta a idade ou você diminui o benefício. Optamos por aumentar a idade. O BPC sobe a idade para 70 anos. No entanto, para compensar a subida, o governo está adiantando um valor de R$ 400 cinco anos antes, a partir dos 60 anos. É um benefício para as pessoas que são inclusive as mais vulneráveis do Brasil, vivendo na miserabilidade.
MN – Nos planos do Governo Federal a reforma da previdência precisa ser aprovada até quando e o qual o limite de alterações feitas pelo Congresso Nacional para que dela surtam os efeitos desejados?
BB – Nossa proposta ideal é a que foi encaminhada, mas obviamente que a tramitação de uma proposta de emenda constitucional é complexa, é um processo que envolve várias fases. A fase inicial é a de estudo, elaboração inicial e encaminhamento ao Congresso Nacional, que é quem está com a bola agora. Nós defendemos a proposta como um todo. Em nossa ótica, nada poderia ser revisto. Mas não podemos ser puristas e vamos ouvir o Congresso Nacional que é soberano. A nossa ideia é que toda alteração que for feita, precisa ser compensada e de forma transparente para que a população saiba quem está ganhando com o ajuste e quem está perdendo. Se for feita uma alteração que prestigie os mais ricos, a população tem que saber e dar sua opinião se vale ou não a pena. Que as propostas de ajustes que venham, sejam em benefício dos mais vulneráveis. Do ponto de vista de prazo, o Congresso também é soberano, mas trabalhamos com ideia de aprovação no primeiro semestre na Câmara e no segundo semestre no Senado. Trabalharemos forte para isso.
MN – O senhor é de Marília, cresceu e se formou aqui. Como foi sua trajetória até chegar ao atual momento da carreira?
BB – Eu primeiro passei no concurso para procurador da Fazenda Nacional e depois troquei por ter sido aprovado para procurador Federal, uma carreira da Advocacia Geral da União. Tomei posto em Araçatuba e fui removido para Marília, quando recebi o convite para ser procurador-chefe do INSS em São Paulo. Ali passei por três cargos e me tornei responsável pelos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Foi quando fui chamado para ser coordenador–geral de benefícios do INSS em Brasília. Fiquei por aqui um tempo e voltei para São Paulo para ser procurador regional Federal, que cuida das autarquias. No governo Michel Temer recebi convite para cuidar da comissão da proposta da reforma com o então o secretário nacional de Previdência Marcelo Caetano. Ele cuidava da parte da reforma na Fazenda e eu seria a interface com ele na Casa Civil da Presidência da República, foi quando me mudei com toda a família para cá. A reforma do governo passado acabou não tendo êxito no Congresso e aqui na Casa civil recebi o convite do secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho.
MN – Do que sente falta em Marília e com que frequência visita a cidade?
BB – Vou para Marília com frequência e no fim do mês farei uma palestra na Univem. Tenho dado aulas na Unimar também. Eu me formei na Univem e fiz mestrado na Unimar.
MN – Se encontra com frequência outro mariliense de destaque em Brasília, ministro Toffoli?
BB – Não com frequência, mas já se tive algumas conversas com o ministro Toffoli sim, no passado e agora no atual governo também. Me encontrei com ele inclusive quando estava exercendo a função de presidente da República no ano passado, ocasião em que conversamos bastante. Tem um grande amigo meu da Procuradoria Regional da Fazenda, Cláudio Seefelder. Outro conterrâneo, o Nelson Andrade, que está na Secretaria de Agricultura Familiar, encontro com frequência. Tem muitos marilienses por aqui.
MN – Depois de obter tanto destaque recentemente na defesa da reforma, já recebeu convite para se filiar a algum partido?
BB – Não, minha função é técnica, sou servidor de carreira, participei dos últimos quatro governos, mas de maneira expressiva nos últimos três, e pretendo continuar como servidor público. Obviamente que nosso cargo aqui ele tem tangências as questões políticas, mas minha função é técnica. Sem nenhum demérito aos políticos, mas sou servidor de carreira.