Jovem ganha a vida como pintora, mas sonha com as artes
É nas paredes das casas e estabelecimentos comercias, muros ou asfalto – em trabalhos com pintura de solo – que a mariliense Karen Camargo Cotarelli, de 29 anos, ganha o pão de cada dia. A dedicação ao serviço não impede que os pensamentos estejam longe, em escolas de Belas Artes nas capitais, em grandes paredes que sonha colorir e em oportunidades que não ainda não chegaram.
Conhecida como Kaká, a jovem considera ter duas profissões atualmente: é desenhista, com curso técnico para a área da construção civil, e pintora de paredes. Ela trabalha com o pai, mas também assume algumas obras sozinha, conforme o porte da empreitada.
Quando tinha cinco anos, conta, se destacava das outras crianças que também viviam com lápis e papel na mão. A habilidade da menina para lidar com as formas e as cores já chamava a atenção dos professores e da família. A ideia de que poderia surgir uma profissão, porém, não se consolidou.
Quando cresceu e precisou trabalhar, Kaká virou vendedora. Trabalhou também como secretária em uma escola de dança, onde ajudava na divulgação. O último emprego com carteira assinada foi em uma loja de joias, mas a crise levou as oportunidades no comércio. Com a pandemia, tudo ficou mais complicado.
“Meu pai deu a oportunidade de trabalhar com ele. Fazia recortes, acabamentos, pequenos trabalhos, mas agora faço o que aparecer. Também pego serviço sozinha, mesmo se for obra maior”, relata.
A pintora de paredes diz que já foi vítima – várias vezes – do machismo e conservadorismo em relação ao próprio trabalho. Estas situações, geralmente, acontecem quando está sozinha. Com o pai perto, em geral, pode até haver desconfiança, mas as pessoas tendem a não se manifestar.
“Peguei o imóvel de um casal para fazer e o marido, quando viu que era uma mulher, não queria meu serviço. A esposa dele, pelo contrário, achou ótimo e fazia questão, justamente por ser mulher. Eu acho que isso está por fora, a avaliação deveria ser pelo ser humano que está a li, a nossa disposição para o trabalho, a capacidade”, afirma.
Como diferencial, Karen vê um especial capricho na finalização. Ela também garante que é nato, da mulher, mais preocupação com a limpeza e organização do local de trabalho. “Quem me contrata, não reclama. Gosto de deixar tudo em ordem. Não custa nada”, garante.
Mesmo com ensino médio completo e curso livre de desenho técnico, oportunidades em escritórios de arquitetura não têm surgido, segundo Kaká. Ela já fez ilustrações para as chamadas “plantas humanizadas” – muito comuns no mercado de imóveis -, mas sabe da necessidade de ampliar estudos para lidar também com novas tecnologias, além do desenho manual.
Em busca da sobrevivência, o tempo tem sido consumido nas obras. Mas mesmo garantindo bons serviços e atendimento, a jovem não consegue sonhar com tintas de parede, rolos e materiais mais rústicos. É com os lápis, variações daqueles com os quais ela fez os primeiros traços, que a realização pessoal parece possível.
A temática religiosa faz parte de seus desenhos, que também comportam imagens da natureza e universos que saem da imaginação. Karen espera que um dia possa ganhar o pão de cada dia longe do sol forte e das intempéries às quais está sujeita nas obras.
“Meu objetivo é fazer um curso superior em escola de artes. Já tenho até uma faculdade que gostaria de cursar em Curitiba, mas ainda não deu certo. Quero também montar uma exposição aqui em Marília mesmo, apesar das dificuldades com espaços para expor. Estou produzindo em casa para isso, ampliando material”, acredita.