Marco Legal das Startups chega ao congresso
O governo federal encaminha nesta terça-feira ao Congresso Nacional a proposta do executivo do Marco Legal das Startups. O texto vem sendo aguardado há anos pelo ecossistema de startups do país, que vem reivindicando reformas na regulação para dinamizar o setor e aumentar a competitividade do país globalmente.
Já havia um primeiro texto em tramitação na Câmera, de autorida do deputado JHC, que se encontra em análise na Comissão de Ciência e Tecnologia da casa, com relatoria do deputado Vinicius Poit. A novidade é que houve um acordo entre os líderes e governo para unir os dois textos em um só, abrindo caminho para uma tramitação mais rápida. O tema conta com um raro apoio quase unânime entre diferentes espectros políticos da casa legislativa, e poderá tramitar em regime de urgência, em um momento em que o país precisa de pautas que auxiliem na retomada do crescimento econômico em meio à crise gerada pela pandemia.
Principais temas abordados pelo PL do Marco Legal das Startups
Eu tive acesso a uma prévia do texto do PL do executivo e elaborei, junto com o grupo de advocacy Dínamo, uma análise dos principais pontos trazidos por ele. Primeiro, o texto reconhece as startups como empresas com modelos de negócio inovadores, que tenham até 6 anos de constituição e até R$ 16 milhões de faturamento anual.
Também reconhece a figura do investidor anjo e amplia a segurança jurídica das transações de investimento, com o reconhecimento da validade de diferentes instrumentos e modelos de contrato de investimento, dentre eles o mais comumente aplicado, de mútuo conversível. O texto assegura ainda que o investidor anjo não se tornará sócio da empresa e nem terá direitos de gestão sobre ela. Reforça ainda que o investidor não poderá responder com seu patrimônio por eventuais dívidas trabalhistas, tributárias, ou frutos de processos recuperação judicial das startups investidas.
Outro ponto de grande impacto para investimentos é o dispositivo que permite que recursos de incentivo a pesquisa e desenvolvimento, realizados por empresas reguladas, sejam aplicados em fundos de capital de risco que invistam em startups. São programas que se aplicam a concessionárias de serviços públicos, como empresas de fornecimento de energia, que são obrigadas por lei a investir parte do seu faturamento em projetos de P&D, através de programas regulados por agências governamentais, como a ANEEL ou ANP. Tais programas giram cerca de R$ 3 bilhões anuais, que agora poderão ser, em parte, direcionados a fundos de investimento em startups, gerando um novo fluxo relevante de capital para o setor.
Outro novo capítulo que se abriu para as startups no país com o PL é o das compras públicas. A lei de licitações atual traz uma série de restrições que tornam muito difícil que o governo compre soluções inovadoras de startups. O texto criou como nova possibilidade as chamadas “contratações experimentais de soluções inovadoras”, inclusive com flexibilização de regulamentações específicas – o chamado sandbox regulatório. Ele também propõe várias mudanças nas legislação de compras públicas, que permitem a realização de testes de soluções com maior risco tecnológico, sem penalizar o gestor público por eventuais perdas decorrentes desses riscos. Também permite que, após testes bem-sucedidos, a solução da startup possa ser adquirida posteriormente pelo poder público, sem necessidade de novo edital ou licitação. Há até mesmo proposições mais adaptadas à realidade financeira das startups, que permitem que o governo pague parcelas antecipadamente para viabilizar os testes de soluções inovadoras, e evitar possíveis quebras de caixa das empresas nessa situação.
Por fim, o PL simplifica as sociedades anônimas, não só para startups, mas para todas as S.A.s. que faturem até R$ 78 mihões anuais. Essas empresas passam a poder realizar a publicação de convocações, balanços anuais e outros documentos de forma eletrônica, e não mais em periódicos de grande circulação, que geram altos custos. Também passam a poder manter seus livros de escrituração de ações em formato eletrônico, poderão ter apenas um diretor, ao contrário do mínimo de dois diretores pela lei atual, dentre outras simplificações que tendem a deixar o processo de abertura e manutenção dessas empresas mais simples e barato. É uma boa notícia, já que a estrutura de governança das S.A.s é muito mais adequada para startups em crescimento, porém acaba sendo cara e de gestão complexa, o que afasta essa modalidade de sociedade das empresas iniciantes. O texto também indica que as S.As. de menor porte (com faturamento anual até R$ 500 milhões) também terão condições facilitadas para acessar o mercado de capitais, de forma que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) possa passar a dispensar uma série de obrigatoriedades dessas empresas no proceso, como a necessidade de instalação de conselho fiscal, dentre outros pontos.
Pontos importantes ficaram de fora
Por outro lado, vários pontos que eram esperados ficaram faltando no texto. Questões tributárias não foram tocadas, como a possibilidade de S.A.s utilizarem o regime tributário do Simples, ou a possibilidade de investidores anjos compensarem eventuais perdas na apuração do imposto sobre ganho de capital. Também ficou de fora a equiparação tributária do investimento anjo a outras modalidades de investimento, como ações e letras de câmbio, que mesmo possuindo menor risco em relação ao investimento anjo, contam com isenções e incentivos tributários.
Ficaram ainda de fora questões trabalhistas, como a validação de contratos de opções de participação de ações – os chamados stock options. Esse tipo de benefício, comum nas startups, pode acabar sendo reconhecido à luz da legislação atual como parte do salário do funcionário, sendo tributado como tal, e trazendo outros riscos de interpretação dos valores pactuados no contrato de trabalho, trazendo insegurança jurídica. O texto também não trouxe nenhuma iniciativa relacionada aos chamados startup visas, vistos específicos para atração de talento estrangeiro em áreas tecnológicas, que venham atuar em startups no país.
Próximos passos
A chegada do texto do executivo do PL é importante, mas o projeto ainda precisa receber parecer do relator e seguir para votação no plenário da Câmara dos Deputados, para então ser apreciado pelo Senado, retornar para a Câmara e seguir para sanção presidencial. Alguns líderes do legislativo acreditam que seria possível a aprovação ainda no ano de 2020. Para isso, o relator Vinícius Poit precisa produzir seu parecer rapidamente e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve pauta o projeto em regime de urgência.