Mães de Marília viram símbolo de luta pela maconha medicinal
A enfermeira Nayara de Fátima Mazini Ferrari, de 36 anos, moradora de Marília, é autora de uma “ideia legislativa” no Senado que defende a legalização de centros de estudos da cannabis (maconha) medicinal no Brasil.
Até o próximo dia 14 de março, a proposta, que já passou por análise de comissão técnica, precisa receber 20 mil adesões para se transformar em uma “sugestão legislativa”. A partir disso o tema passa a ser discutido pelos senadores. Clique aqui para apoiar a ideia.
Nayara é mãe de Letícia, de 6 anos, a Lelê. Assim como a trabalhadora autônoma Cláudia Marin, 41, mãe do Mateus de 10 anos, também de Marília, ela conseguiu nos últimos dias uma autorização judicial para importação de sementes e plantio de maconha medicinal.
Com a erva, elas mesmas produzirão o medicamento que seus filhos precisam de forma artesanal. O garoto, por exemplo, utiliza até três seringas por mês.
Cada uma custa entre US$ 300 e US$ 350. Com a oscilação do dólar o preço fica instável e pode subir consideravelmente em certos períodos, o que pode acarretar na interrupção do tratamento.
Os filhos delas nasceram com síndromes raras e já chegaram a sofrer dezenas de convulsões por dia.
Depois de conquistarem autorização da Anvisa para importação do medicamentos à base de maconha – em conjunto com outros tipos de terapia – os ataques convulsivos foram controlados.
As crianças passaram a ter muito mais qualidade de vida e apresentaram melhora na capacidade cognitiva, de comunicação e no sistema imunológico, por exemplo.
“Minha filha é outra criança antes e depois da cannabis medicinal. Antes ela estava sempre internada, eu não podia nem trabalhar”, conta Nayara. Com a redução das convulsões, a irritabilidade da menina também diminuiu muito, diz a mãe.
Pesquisa e manejo
A iniciativa da enfermeira de criar a ideia legislativa visa aprofundar as pesquisas para utilização do medicamento.
“No Brasil existe pouquíssima literatura científica sobre o uso da cannabis medicinal. Mas lá fora há vasto material, temos estudado bastante”, conta Nayara.
Junto com Cláudia ela passará a visitar outras famílias que vivem em Campinas e São Paulo e também conseguiram na Justiça Federal autorização para plantio da erva com objetivo de extração dos subprodutos necessários como medicamento.
“Existem várias espécies de cannabis, algumas com maior concentração de canabidiol (CDB) e outras com mais tetrahidrocanabinol (THC). Com o manejo delas, com a cruza de variedades, podemos chegar na planta adequada para cada um”, detalha Nayara.
As pesquisas poderiam ser especialmente úteis no sentido da seleção de espécies e técnicas de produção, fundamentais para chegar na medicação especifica para cada tipo de paciente.
“A forma como é plantada, o modo de se extrair o óleo, tudo isso influência no produto final”, diz a enfermeira.
“Nós queremos o melhor para nossos filhos e fundamentadas cientificamente, não apenas de forma empírica”.
Princípios ativos
O CDB, de acordo com ela, já vem sendo pesquisado em alguns lugares do Brasil, como na Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.
No entanto, em relação ao THC, que provoca o efeito psicoativo da maconha, ainda existe um tabu muito grande.
“Precisamos desmistificar isso. O THC tem dado resultados incríveis em casos de câncer, doenças autoimunes, depressão”, comenta.
A aplicação do CDB isoladamente nem sempre apresenta o resultado esperado, dizem as mães.
Quando Cláudia passou a dar para seu filho Matheus o óleo à base de cannabis, os resultados avançaram muito. “Alguns sintéticos não têm o THC ou possuem muito pouco. E agente sabe que é o THC que ativa o CDB”, diz Cláudia.
O garoto tem síndrome de West, também conhecida como espasmos infantis. “Ele já chegou a tomar sete anticonvulsionantes e sem resultados”.
A síndrome deixou o garoto 100%. Ele não fala, não anda, mas consegue ficar sentado na cadeira de rodas.
Com o CDB o menino fez tentativas de pronúncia. Após o acesso a um óleo caseiro integral, a chamada “gotinha”, passou até a tentar se comunicar.
A mãe ressalta que junto com a utilização da cannabis medicinal outros tratamentos em conjunto foram essenciais.
“É o que chamamos de medicina integrativa, que combina também uma dieta cetogênica e medicamentos halopáticos. Essa foi a chave”, diz Cláudia.
Para as mães, a esperança é que outras famílias que precisam também tenham acesso ao derivado da cannabis de forma menos burocrática.
A legalização dos centros de pesquisa seria um grande passo nesse sentido, além de produzir melhores plantas e estudos que garantam a eficácia do medicamento que ainda é alvo de tanto tabu.