Com crise, LinkedIn amplia caráter social e ganha força
Durante muito tempo, o LinkedIn foi uma rede social de Schroedinger: tal como o gato dentro da caixa na teoria do físico austríaco, ele era uma rede social, mas não tinha lá muitas interações – a maioria das pessoas se cadastrava na plataforma para criar uma versão digital do currículo e, vez por outra, procurar emprego quando necessário. Mas isso mudou: em um processo que evoluiu gradualmente nos últimos anos e se intensificou na pandemia, o serviço que pertence à Microsoft desde 2016 virou um lugar de conversas sobre carreira, trabalho e negócios para uma multidão de gente – só no Brasil, são 43 milhões de usuários ativos.
“Temos cerca de 100 mil usuários novos por semana, toda semana”, afirma Milton Beck, diretor da empresa na América Latina. Além dos novos cadastros, a interação subiu bastante – segundo a empresa, houve aumento de 55% no volume de conversas entre março e o mesmo mês de 2019. Já a criação de conteúdo subiu 50% de junho do ano passado e o de 2020. Para Fabro Steibel, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), a explicação para o crescimento é evidente. “Todas as redes sociais, de forma geral, ganharam mais atenção. E num período de incerteza econômica, se você está preocupado com seu trabalho, o LinkedIn é uma saída natural”, afirma.
Essa popularidade em meio à quarentena é, porém, o ápice de um movimento que já vinha acontecendo nos últimos anos. Na visão de Luiz Peres Neto, professor da ESPM e pesquisador de redes sociais, o LinkedIn ganhou espaço na internet graças a um movimento de flexibilização das relações de trabalho. “Isso faz com que as pessoas tenham de estar sempre numa vitrine, buscando uma vaga. É um movimento que começou lá fora depois da crise financeira de 2008 e chegou aqui ao Brasil depois da nossa crise”, afirma ele.
Conexões
Fundado em 2002 e lançado em maio de 2003, o LinkedIn demorou a ganhar tração como rede social. “No começo, o LinkedIn era usado bastante por profissionais de recrutamento, para contratações”, lembra Beck. A demora em se tornar social, com ferramentas como a criação de publicações de texto, foto ou vídeo, porém, lhe fez bem: para analistas, a plataforma conseguiu aprender com os erros de outras redes para se diferenciar, tendo um algoritmo que valoriza menos as polêmicas e mais o diálogo. A impossibilidade de um usuário pagar para promover seu próprio conteúdo também o tornou mais democrático.
É algo que aparece no discurso até mesmo dos influenciadores da rede. “Eu tenho 225 mil conexões hoje. Não gosto da palavra seguidores porque parece que você está num patamar diferente das outras pessoas. Sou igual a todo mundo, a questão é que publico bastante conteúdo”, afirma o empresário Rodrigo Garçone, um dos perfis mais populares da rede no País hoje.
No lugar de mimos, selfies e parcerias com marcas, porém, ele traz em suas publicações textos sobre carreiras, produtividade e equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. “O LinkedIn não é uma rede pessoal, mas às vezes falo sobre minha relação com a família, para gerar reflexões nas pessoas”, diz.
A própria rede promove, todos os anos, uma lista de “pessoas a serem seguidas”, os Top Voices. Focada em conteúdos sobre startups, inovação e empreendedorismo, a mineira Amanda Graciano foi uma dessas vozes no ano passado. Para ela, a rede se tornou um espaço de dividir com outras pessoas o que vive no dia a dia – ela é chefe de desenvolvimento de novos negócios da Idexo, hub de inovação da empresa de tecnologia Totvs.
“Quando você fala em startups, há muitos termos em inglês, isso afasta as pessoas. Eu busco explicar meu trabalho de uma forma sem que ele pareça mirabolante. E aumentar a diversidade: hoje, muito do conteúdo dessa área é escrito por homens brancos”, afirma. “Para mim, não tem muita separação entre o pessoal e o profissional na rede, mas o foco é no segundo.”
Casual, mas focado
Dono de uma rede com 520 mil seguidores, o jornalista André Forastieri concorda que a rede é profissional, mas não é sisuda. “Você não precisa estar ali de terno e gravata, mas precisa ser coerente com a imagem que quer passar. Se você quer usar uma foto do Chaves para falar sobre carreiras, vale, desde que isso funcione com o público que você quer atingir”, afirma ele. Com uma carreira dedicada à cobertura de temas como tecnologia, cultura e arte, ele descobriu na rede social um espaço para falar de política, economia e negócios.
Acabou virando um negócio: hoje, Forastieri também presta consultorias para empresas e executivos que querem aprender a usar a plataforma. “Quem está no LinkedIn está em busca de coisas úteis, soluções, insights, um novo cliente, um novo produto, um emprego. Para quem quer gerar negócios, é algo importante”, diz. “Por outro lado, justamente por conta desse viés, é uma rede que não serve para quem só quer causar ou lacrar.”
Para a maioria dos entrevistados para a essa matéria, o LinkedIn virou um oásis dentre as redes sociais. “O Facebook hoje virou tóxico e velho. O Instagram não tem texto, só imagem, então é difícil. O Twitter é muito opinativo, então o LinkedIn virou um espaço à parte. E ali não entra política, até porque ele tem esse ambiente corporativo, empresarial”, afirma Steibel.
A ausência de temas polarizados é ao mesmo tempo, causa e consequência: comprado pela Microsoft em 2016, o LinkedIn hoje tem múltiplas fontes de receita além da publicidade – como a venda de cursos e de um serviço premium, para usuários que queiram mais informação sobre quem está visualizando seu perfil ou buscando recolocação profissional.
No último ano fiscal da Microsoft, a rede faturou US$ 6,8 bilhões. É bem pouco perto do que o Facebok fatura (US$ 17 bilhões só em um trimestre), mas a rede da companhia criada por Bill Gates é apenas uma peça numa grande estratégia. “As ferramentas da Microsoft sempre foram sobre produtividade: escrever, calcular, apresentar, conectar equipes. A sinergia com o LinkedIn é enorme”, diz Steibel.
De quebra, ao não precisar usar o engajamento como moeda de troca para faturar, a rede soube manter debates positivos, evitando armadilhas que outras redes sociais tiveram – como relativa tolerância com tendências polarizantes e discursos de ódio. “Nós temos mecanismo antidesinformação, antiassédio, mas os próprios usuários controlam. Eles sabem para o que a rede é ou não é”, diz Beck.
É uma lógica interessante: se as redes sociais replicam ambientes e situações da vida cotidiana, o LinkedIn é muito bem o corredor da firma, a sala do café, a reunião de troca de cartões entre empresas. Ali, há códigos e condutas adequadas. E num mundo em que o trabalho presencial é evitado e discute-se até a possibilidade dele não existir mais, uma rede como essas se torna ainda mais presente. “O distanciamento social, mesmo que reduzido, veio para ficar”, aposta Garçone. “E como você vai manter a convivência social se está afastado? É para isso que as redes estão aqui.”