Lágrimas solitárias no dia em que a música morreu
Sim, houve um dia em que a música morreu. Quem me contou sobre essa data foi o cinema, através do longa “La Bamba”, de 1987, que era uma das sessões da tarde preferidas da minha geração oitentista. Em muitas tardes, parava de jogar bola no campinho da rua de casa e colava os olhos na televisão para acompanhar a meteórica e trágica carreira de Ritchie Valens (1941-1959).
O adolescente pobre do subúrbio de Los Angeles, descendente de mexicanos que não sabia falar espanhol, mas que, ao resgatar uma tradicional canção do folclore de seus antepassados, escreveu – definitivamente – o seu nome na história mundial do rock.
A tragédia aérea que vitimou Valens e outros dois jovens astros iniciais do rock – Buddy Holly e The Big Bopper – marcou gerações anteriores à minha e, portanto, o 3 de fevereiro de 1959 passou a ser chamado de “The day the music died”, em tradução literal: “O dia em que a música morreu”.
Vim saber que a tragédia aérea era chamada de “O dia em que a música morreu” por uma frase de Raul Seixas, numa entrevista onde ele se recordava daquele dia e o lembrava como “O dia em que o rock morreu”.
Lançado 28 anos depois da queda do avião no campo de milho em Iowa, o filme “La Bamba” contou, inclusive, com a participação da mãe de Ritchie Valens, a senhora Concepción Valenzuela. Ela aparece numa cena como uma figurante convidada para uma festa na casa dos Valenzuela – este era o verdadeiro sobrenome de Ritchie Valens. Está sentada no mesmo sofá em que está o ator que interpretou o filho.
Em 1996, num domingo triste, fui acordado com a notícia da queda de um avião: o que transportava o grupo de rock brasileiro Mamonas Assassinas. Dinho e sua turma, assim como Ritchie e seus amigos, não sobreviveram ao impacto. Comoção nacional e lágrimas por todos os lugares.
Décadas depois, o avião que transportava uma compositora e talentosa cantora do nosso Brasil de dentro cai no interior de Minas Gerais. Assim como o cantor de “La Bamba” e compositor de “Donna”, a trajetória de Marília Mendonça (1995-2021) foi meteórica e absoluta. Novas lágrimas.
As lágrimas, por mais que compartilhadas, são únicas e solitárias. Ninguém chora pela gente, ninguém chora pelos nossos olhos. Da mesma forma, dizer que teve um dia que a música morreu é errado. Tanto a música de Marília Mendonça, dos Mamonas Assassinas, de Ritchie Valens ou de Raul Seixas – todos citados aqui – continuaram vivas, assim como suas histórias, servindo de parâmetros, exemplos e até inspiração para novos cantores, compositores e fãs. Fãs que não se cansam de reviver as emoções que eles eternizaram em letras e canções.