Justiça determina que prefeito e seguranças saiam de assentamento
Decisão do desembargador Hélio Egydio de Matos Nogueira, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF-SP), mandou o prefeito de Jaú (distante 164 quilômetros de Marília), Ivan Cassaro (PSD), e seus seguranças deixarem o assentamento Luiz Beltrame em Gália (distante 53 quilômetros).
O documento foi assinado na noite desta quinta-feira (16) e atende pedido de urgência das famílias do assentamento.
A defesa destas famílias diz que “narram que, apesar da decisão proferida nestes autos que sobrestou a reintegração de posse da antiga Fazenda Santa Fé, os proprietários têm adotado medidas para impedir o exercício da posse pelos requerentes.”
Afirma também que “o proprietário, seu filho e outros dois homens (um identificando-se como capitão da polícia, entretanto sem uniforme ou identificação) entram na área, mantendo outros quatro na porteira do assentamento, e informa para os presentes que irá retomar a posse da fazenda, visto que o Incra vai retirar as famílias da área. Informa que seus funcionários estão apenas aguardando a retirada das famílias para entrar com o maquinário que estava na estrada em frente à fazenda.”
Contudo, a advogada da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) afirma que não há decisão judicial para isso e que parte das famílias irão permanecer na área por vontade própria.
O documento ainda relata que o acusado “informa que impedirá a entrada de qualquer pessoa que chegar na fazenda, o que cumpre na data de hoje, fechando a porteira e mantendo seus seguranças circulando dentro da área de posse das famílias, realizando ‘fichamento’ de moradores assentados; chegaram a ponto de impedir acesso de jornalistas ao assentamento, apresentando-se como verdadeiro possuidor da área em questão, mesmo com as famílias ainda presentes no local, utilizando a força de maneira arbitrária, forçando sua reintegração na posse contra a decisão judicial emanada nestes autos.”
As famílias sustentam “a impossibilidade de reintegração da posse, diante da decisão proferida nestes autos, bem como do quanto decidido pelo STF na ADPF 828, pela qual foram suspensas todas medidas administrativas e judiciais relacionadas à desocupação e reintegração de posse, rurais ou urbanas, até março de 2022.”
Alegam, ainda, que os proprietários atuam em má-fé, tendo em vista que “propuseram ação de interdito proibitório perante a Justiça Estadual, ‘buscando’ decisão diferente em outra esfera.”
O desembargador pontua que “os documentos trazidos pelos requerentes demonstram que eles têm sido pressionados a deixar a propriedade, por meio de obstrução ao adequado exercício da posse, garantida por decisão judicial, bem como por atos praticados pelo Incra.”
“Em que pese existir decisão de reintegração de posse, diante da improcedência da ação de desapropriação, o certo é que seus efeitos encontram-se suspensos por determinação deste Tribunal, de modo que os proprietários do imóvel não podem adotar medidas para obstar o regular exercício da posse. Nesse contexto, deve ser garantida a decisão proferida nestes autos, devendo os requeridos absterem-se de qualquer prática intimidatória das famílias que permanecem na propriedade, devendo ser retirado qualquer aparato que impeça o livre acesso à Fazenda, sob pena de caracterização de desobediência por descumprimento de ordem judicial”, afirma o desembargador.
Com relação à acusação de má-fé, o desembargador afirma que não é possível apreciar, pois a ação mencionada teria sido instaurada na Justiça Estadual.
Quanto às alegações relacionadas à atuação do Incra, o desembargador ressalta que agravo de instrumento julgado pelo TRF, concedeu o prazo de 120 dias para desocupação – prazo que se encontra suspenso.
A decisão ainda diz que o Incra deve adotar providências no sentido de disponibilizar local para a transferência das famílias, mas não adotar medidas voltadas a compelir os assentados a se verem obrigados a deixar imediatamente o local, conforme relatado no documento subscrito pela diretora da Abra.
O desembargador determina que os proprietários do imóvel, sejam intimados com urgência, para que se abstenham de qualquer conduta que impeça o regular exercício da posse pelos requerentes, devendo retirar qualquer aparato que obste o acesso ao imóvel, bem como qualquer preposto – a qualquer título que seja – que se encontre no local e imediações.
Também mandou que o Incra se abstenha de qualquer medida de pressão aos requerentes para que deixem imediatamente a propriedade, devendo observar as decisões proferidas pelo TRF.
Diz ainda que deverá ser dada ciência dos fatos e documentos ao Ministério Público Federal.
Por fim, a decisão diz que assim que intimados os proprietários do imóvel, ficarão cientes que “o descumprimento da ordem judicial proferida nesta sede configura crime de desobediência”.
OUTRO LADO
O Marília Notícia tentou entrar em contato com Ivan Cassaro, mas até a publicação desta reportagem não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
Há alguns dias, o site havia questionado o Incra sobre a situação do assentamento, pois havia denúncias de que o superintendente do Incra de São Paulo, Edson Fernandes, estaria coagindo as famílias do assentamento a deixarem suas casas.
Na tarde de ontem, o Incra respondeu que “desde 2020, as famílias assentadas têm manifestado preocupação com a decisão judicial que, à época, anulou o processo de desapropriação da antiga Fazenda Recreio, que deu origem ao assentamento PA Luiz Beltrame – Gleba 1. Embora ainda haja recurso pendente, as famílias careciam de segurança jurídica para dar continuidade às culturas de ciclo longo que constituem principal atividade econômica do assentamento”.
Disse também que “após várias reuniões com as famílias assentadas, foi realizada uma assembleia em 11 de novembro deste ano, em que a maioria optou pela transferência para outra área. A decisão foi ratificada em nova assembleia em 7 de dezembro”.
A nota ainda afirma que “a pedido dos assentados, devidamente formalizado, o Incra realizou, entre 14 e 15 de dezembro, a transferência de 13 das 17 famílias para o assentamento Vau de Jaboque, município de Agudos, uma área nova, ainda em fase de implantação. Essa medida foi viabilizada por meio de políticas públicas do governo federal que possibilitarão a construção de moradias, perfuração de poços e liberação de crédito. Apenas quatro famílias ainda não optaram pela transferência e permanecem em Gália.”
Por fim, o comunicado diz que “dessa forma, a transferência atende à demanda das próprias famílias assentadas e tem o objetivo de oferecer segurança jurídica para que elas possam continuar produzindo, sem o risco de eventuais decisões que impeçam sua permanência na terra.”
Com relação à decisão do TRF-SP desta quinta-feira, o Incra foi questionado novamente, nesta sexta-feira (17), porém não houve resposta até o momento.