Juristas discutem legalidade de decretos contra a Covid-19
O prorrogamento da quarentena pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deram, nesta semana, novo fôlego à discussão sobre as competências de cada ente da federação para impor medidas de combate ao novo coronavírus.
A polêmica envolve o interesse de muitos municípios na reabertura física do comércio e serviços, contrariando o que determina o Estado. Para contribuir com o debate, o Marília Notícia conversou com professores de Direito, juízes, procuradores e outros juristas.
Algumas prefeituras – como de Jundiaí e Guarujá – já anunciaram a abertura de estabelecimentos comerciais não essenciais, com regras sobre precauções sanitárias e controle para evitar aglomerações.
Em Marília entidades que representam comerciantes anunciaram que vão à Justiça com o mesmo objetivo de retomar as atividades.
Na cidade existe uma decisão da Vara da Fazenda da Justiça do Estado, após ação do Ministério Público, que obriga a administração municipal a seguir a determinação estadual, sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil.
Professor de Direito Constitucional, Emerson Ademir Borges de Oliveira é doutor em Direito de Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e leciona na Universidade de Marília (Unimar).
Ele explicou que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada na quarta-feira (15), teve grande repercussão.
O posicionamento da corte, requerido pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) do Distrito Federal, teve como objetivo pontuar a competência do Governo Federal, estados e municípios na adoção de medidas contra o novo coronavírus.
“O Supremo apenas reconheceu que, em se tratando de proteção à saúde, a legislação é concorrente. Quem tem atribuições são a União, estados e Distrito Federal e municípios. Está no artigo 24 da Constituição Federal”, explicou o professor.
Na prática, legislação concorrente significa que a União cria normas gerais e os demais entes da federação complementam. Ou seja, não se exclui a possibilidade de os prefeitos criarem regras para atendimento de assuntos de interesse locais.
O problema, segundo o professor, é que os municípios têm a limitação de que estas normas sejam complementares às regras anteriormente estabelecidas por União e Estado.
“O ponto ideal é que os Estados não entre em especificidades. Assim, cada município pode cuidar de assuntos de interesse local, sem violar legislação federal ou estadual”, comentou Emerson Oliveira.
O segundo ponto mais crítico, na análise do especialista, é que os decretos estaduais publicados impõem claras limitações de direitos. Dois são os mais atingidos: o direito de ir e vir e a liberdade econômica.
“São direitos fundamentais e estão previstos na Constituição. Porém temos que lembrar que não existe direito fundamental absoluto. Mas a restrição de direitos precisa ser amparada por lei. Não poderia ser feita por decreto”, disse.
Instrumento inadequado
Procurador da República em Marília, Jefferson Aparecido Dias, concordou que as determinações dos governadores, por decreto, ferem a Constituição. Ele afirmou que este tipo de instrumento (decreto) existe para regulamentar leis já existentes, não para subtrair ou acrescentar direitos.
“A Constituição Federal divide as competências entre eles (União, estados e municípios) e um não pode invadir a competência do outro. O Estado, por decreto, usurpou competências”, declarou Jefferon.
Para o também procurador da República, Fabrício Carrer, que atua em Bauru, o fato de o Supremo reafirmar as autonomias de cada ente, deixa mais claro que estados e municípios não precisam padronizar as medidas no combate à pandemia. Ele disse acreditar na importância de considerar o contexto local.
“O problema é que nem sempre os entes estão em concordância. É o que estamos vendo acontecer no país, por haver, evidente, um posicionamento partidário nestas discussões. Na maioria dos municípios, os prefeitos estão seguindo o que o governador estabeleceu em decreto. À medida em que surgem demandas locais, haverá uma análise mais particular”, declarou Fabrício.
Vai parar no tribunais
Para o professor de Direito, especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública, Luiz Fernando Quinteiro de Souza (ex-delegado de Polícia), há clareza na Constituição Federal.
“O legislador assim decidiu porque é melhor para o povo que todos se unam em torno do mesmo objetivo. Porém, quando há divergências entre os entes, é preciso que a Justiça decida. O STF acaba dando a palavra final, pacificando o conflito de entendimentos”, afirmou.
Para ele, a divergência – e níveis diferentes de restrições – para combater ao novo coronavírus também acabará virando demanda judicial.