Ideologia, eu quero uma pra viver
Cazuza escreveu a letra da música “Ideologia” em 1987 de maneira um tanto despretensiosa. Ele nem sabia o significado da palavra quando se pôs a escrever a letra. Foi ler no dicionário para saber. A música ficou sob a responsabilidade do seu parceiro Roberto Frejat e se tornou a faixa título do seu terceiro álbum solo.
Em meu percurso profissional, acabei não apenas lendo, mas estudando sobre ideologias. O dicionário não foi minha salvação. Quem me ajudou a entender sobre ideologias foi o Divino. Calma. Explico.
Amigo de longa data, foi o professor Divino José da Silva, da Unesp de Presidente Prudente, quem me apresentou o livro “Um mapa da ideologia”, organizado pelo filósofo Slavoj Zizek. O livro me é útil para entender o que esta acontecendo na atual disputa ideológica sobre a sala de aula na escola pública.
O caso é complexo e irei apenas fazer alguns comentários. Como não sou muito fã de suspense, vou direto ao ponto. O paradoxo da disputa ideológica é que mesmo o lado contrário às ideologias carrega consigo um forte peso ideológico.
A disputa do momento no campo da educação é o seguinte: estão surgindo Brasil afora grupos de interesse em defesa dos princípios da “Escola Sem Partido”. Essas pessoas querem que os professores não ensinem mais as chamadas “doutrinações” políticas e ideológicas em sala de aula. Para tanto, esses grupos querem que os estados passem leis a seu favor. O Estado do Alagoas já passou lei com base na “Escola Sem Partido”. São Paulo esta discutindo.
Mais. Eles propuseram que a Base Nacional Comum Curricular, em discussão e desenvolvimento por especialistas do MEC (Ministério da Educação), saia das mãos dos especialistas e seja colocada à aprovação pelo Congresso Nacional.
Isso porque entende-se que a maioria dos especialistas da área da educação tem mais afinidade com valores sociais liberais. Então nada melhor do que tirar a educação das mãos desses “pecadores” e jogar as importantes decisões sobre a Base Nacional Comum Curricular no colo de um Congresso com forte tendência conservadora de cunho religioso.
Claro que tem a ver com partidos políticos. Mas o alvo principal desses conservadores se tornou a chamada teoria ou ideologia de gênero, que fundamentam as aulas de educação sexual nas escolas.
Na prática, essas pessoas defendem valores “conservadores” e desejam controlar o que e como ensinar. Isto é, querem que o ensino público gire ao redor dos seus valores morais. E quais seriam esses valores? Apesar de ser um especialista da educação e da filosofia da educação, por respeito, deixo a resposta ao Alexandre Frota.
Como disse no começo, essa história de “Escola Sem Partido” e a guerra contra as doutrinações políticas e ideológicas apenas esconde a ideologia dos grupos conservadores religiosos.
A escola pública deve ser determinada por valores democráticos e republicanos. Quem quiser consumir outros tipos de valor e ideologia, que abra a sua própria escola. Isso é possível graças à, entre outras coisas, uma escola pública pautada em valores democráticos e republicanos.