‘Guerra, pra que guerra?’ ao som de ‘A rosa de Hiroshima’
Destas lamentáveis coincidências que a vida de agora e lá do passado estão cheias, na véspera do bombardeio da Rússia à Ucrânia, relembrei para os meus filhos durante o jantar que lá pelos meus 14 anos participei de grupo de teatro da minha cidade natal.
Ensaiávamos no Cine-teatro Lucila Nascimento, em Paraguaçu Paulista, e o nosso diretor, Nelson de Abreu, nos lembrava que naquele mesmo palco monstros sagrados do teatro brasileiro haviam passado em tempos não muito distante. Taumaturgo Ferreira, o Januário de “O Cravo e a Rosa”, e Drica Lopes, a Cora de “Império”, poucos anos antes, interpretavam uma comédia romântica naquele mesmo tablado. Ouvi dizer que até mesmo Fernanda Montenegro encenou no “Lucila” um monólogo, mas não tenho certeza desta informação.
Como o teatro funcionava também como cinema – a tela de projeção encobria a abertura do espaço de encenação ao estilo romano – o “Lucila” para mim sempre fora um lugar de dar “friozinho” na barriga, pois ali vira o “ET”, os desenhos da Disney, como Peter Pan e “A dama e o vagabundo” e os filmes dos Trapalhões.
E continuou sendo quando subia no palco para interpretar e, por uma destas coincidências terríveis, na véspera do início de uma nova guerra recordei que o meu primeiro personagem no teatro fora justamente um soldado. Interpretei Zappo, um dos dois soldados da comédia surrealista escrita por Fernando Arrabal como “Piquenique no front”, mas que na versão que fizemos a partir da direção e texto de Nelson de Abreu se chamou “Guerra, pra que guerra?”. Este era o meu texto final, após todos serem bombardeados num ataque aéreo.
Ao final, quando todos nós caíamos mortos – e o diretor nos ensinava a se jogar com gosto no chão – uma atriz entrava em cena entoando “A rosa de Hiroshima”, a música de Vinícius de Moraes, que assim como a peça de Arrabal, contesta a guerra.
As questões que envolvem este confronto entre Rússia e Ucrânia não soam muito claro para nós brasileiros, mas os efeitos de uma situação bélica sim. O mundo entende que é possível saber como uma guerra começa, mas não se calcula como ela poderá terminar. A bomba de Hiroshima – chamada secretamente de “Little Boy” – pode ter sido o golpe final para o encerramento da II Guerra, mas suas consequências são nefastas até hoje.
Os destemidos senhores da guerra – o negócio bélico, responsável por produzir armamentos pesados e equipamentos que movem a “indústria da morte” – focam no avanço de suas estratégias de conquistas e no seu poder. A briga da Rússia e Ucrânia, ao que parece, envolve a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) uma aliança militar que reúne 30 países.
Os russos querem que os ucranianos não entrem na aliança e se desmilitarizem. Os ataques começaram e a pergunta que fiz emprestando voz ao Zappo, 30 anos atrás, refaço agora: “Guerra, pra que guerra?”. E complemento a fala com um verso de Vinícius de Morais: “Pensem nas feridas como rosas cálidas… Sem cor, sem perfume, sem rosa e sem nada.”