Governo Tarcísio remove livro de Djamila Ribeiro de biblioteca virtual escolar
O livro “Cartas para Minha Avó”, da filósofa e colunista da Folha de S.Paulo Djamila Ribeiro, foi removido pela Secretaria de Educação de São Paulo de uma plataforma de leitura usada pelos professores de português do estado.
Lançado em 2021 pela Companhia das Letras, o título traz, na forma de cartas, um “relato memorialístico pungente e sensível sobre ancestralidade, feminismo e antirracismo na criação de filhos”, na descrição da editora.
A reportagem questionou a secretaria sobre a decisão na quarta (15). No mesmo dia, a pasta anunciou que voltou atrás e que a obra vai retornar à plataforma. “Após análise, realizada a pedido da rede, sobre o livro “Cartas para minha Avó”, da autora Djamila Ribeiro, a secretaria concluiu que a obra continuará disponível para os alunos do Ensino Médio e EJA (anos finais e ensino médio) a partir desta quinta-feira (16).”
A autora dedica a obra a duas orixás, Iemanjá e Oxum, e a inicia com um retrato da avó Antônia, uma “conhecedora de ervas curativas e benzedeira muito requisitada” que lhe deixou lembranças “com gosto de manga verde e doce de abóbora”. Antônia posa com vestes brancas típicas de religiões afro-brasileiras.
Eleito por alguns professores como leitura para a classe, o livro estava na plataforma Leia SP, biblioteca virtual à disposição de estudantes e docentes, até pelo menos sexta-feira (10). De repente, os alunos pararam de ter acesso aos escritos de Djamila, segundo profissionais do sistema de educação.
À Folha de S.Paulo Djamila classifica o ato de arbitrário e afirma que nem ela nem a editora foram informadas sobre a retirada da obra e que só soube do fato por meio de uma professora que entrou em contato e lamentou o ocorrido.
Ela afirma que “sem discussão, sem debate, é uma atitude absolutamente antidemocrática e que vai contra o que as educadoras, os educadores comprometidos com uma educação antirracista tem propondo no Brasil nos últimos anos”.
“Acho que, vindo do governo [Tarcísio de Freitas], essa foi uma decisão totalmente arbitrária no sentido de que o livro está sendo adotado por várias escolas e passou também por comissões que o avaliaram”, diz.
A filósofa afirma ainda que gostaria de compreender por que a obra foi considerada um “conteúdo sensível”, já que se trata de um mosaico de memórias das sua infância, usado por escolas sob a perspectiva da educação antirracista, com questões também relacionadas ao feminino. “A não ser que o governo esteja dizendo que ele acha sensível debater temas que são profundamente estruturais na sociedade brasileira.”
A Folha de S.Paulo viu mensagens de WhatsApp em que docentes reclamavam da suspensão da leitura. Um afirmava que, ao questionar a secretaria, recebeu como resposta que a obra continha “conteúdo sensível”.
Outro dizia que a interrupção súbita prejudicaria o andamento das atividades curriculares, uma vez que a turma sob seus cuidados já estava fazendo um trabalho sobre o livro para este bimestre. Parte dos alunos já tinha baixado o livro, outra, não.
As mensagens citam outros títulos malvistos pela pasta, como “A Bruxa Não Vai para a Fogueira neste Livro” e “A Princesa Salva a Si Mesma neste Livro”, ambos escritos pela poeta americana Amanda Lovelace e editados pela LeYa.
A Secretaria de Educação disse, por meio de nota, que “realiza frequentemente a atualização dos títulos disponíveis na plataforma Leia SP para adequar a complexidade dos conteúdos oferecidos aos ciclos de ensino dos alunos da rede”.
O trabalho, segundo o órgão, “envolve professores e especialistas em currículo na discussão de temas relevantes, como a prática antirracista”.
O Leia SP é definido como uma biblioteca digital entregue aos estudantes e professores paulistas no início deste ano letivo, “composta por obras literárias indicadas por especialistas da rede e Ministério da Educação”. A escolha dos livros que serão lidos em sala de aula fica a cargo de professores do 6º ano do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio.
O episódio remete à tentativa de censura contra um livro de Jeferson Tenório, “O Avesso da Pele”, no Rio Grande do Sul. Neste caso, a diretora de uma escola na gaúcha Santa Cruz do Sul publicou um vídeo dizendo que a obra -que também aborda questões raciais- era inadequada para alunos nos anos derradeiros do ciclo escolar.
Dada a repercussão, a Secretaria de Educação do estado determinou que os colégios sob sua guarda preservassem exemplares do livro, em mais uma batalha das guerras culturais que tomam de assalto a atmosfera escolar no país.
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POR ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E ISABELLA MENON