Foi ele quem trouxe: a trajetória de Nhô Pai
O compositor e cantor João Alves dos Santos entrou para a história da música popular brasileira ao assinar um dos maiores clássicos da moda caipira: ‘Beijinho Doce’. Gravada pela primeira vez em 1945, ‘Beijinho Doce’ seria regravada por inúmeros artistas e, na década seguinte, incluída na trilha sonora do filme nacional ‘Aviso aos navegantes’, uma produção da extinta Atlântida. O que poucas pessoas sabem é que João Alves dos Santos, que artisticamente se apresentava com o nome artístico de Nhô Pai, nasceu e morreu na mesma cidade: Paraguaçu Paulista, localizada a 80 quilômetros de Marília.
O artista veio ao mundo em 28 de março de 1912, em Paraguaçu Paulista, numa época em que a cidade ainda era um patrimônio e não havia sido emancipada, o que só viria acontecer na década de 1920. Aliás, Paraguaçu está para completar 100 anos – o centenário será em 12 de março do próximo ano, 2025. Nhô Pai, por coincidência do destino, se despediu deste mundo num 12 de março, ou seja, numa data em que sua cidade celebrava aniversário. Isso foi no ano de 1988.
Conheci pessoas lá de Paraguaçu – que, por sinal, também é minha cidade-natal – que conheceram Nhô Pai e conviveram com ele na mesma vizinhança. Ainda que tivesse 9 anos quando da sua partida eu não tive contato com esse poeta, mas tive contato e fiz questão de conhecer duas grandes intérpretes de ‘Beijinho Doce’ que também são de Paraguaçu Paulista, as Irmãs Galvão. Estive com as minhas conterrâneas anos atrás, num 12 de março, antes delas subirem ao palco montado na fonte luminosa. Simpáticas e carinhosas, Marilene e Mari Galvão me atenderam no hall de entrada do hotel da avenida Paraguaçu. Conversamos sobre música caipira e sobre grandes compositores, inclusive José Fortuna e Nhô Pai.
O autor de ‘Beijinho Doce’ assinou outras composições que marcaram época, inclusive se tornou um dos primeiros poetas caipiras a introduzirem hábitos urbanos nas letras sertanejas, a exemplo de partidas de futebol e questões nacionais. Escreveu canções com grandes parceiros, a exemplo de Mário Zan e Raul Torres, dois grandes ícones da moda caipira. Chegou a fazer incursões pelo Brasil de dentro em cima de carro-de-boi, esteve na fronteira com o Paraguai. Foi também parceiro de palco de Tonico, da dupla Tonico e Tinoco.
Três décadas após a primeira gravação de ‘Beijinho Doce’, em 1976, Nalva Aguiar – até então uma cantora pop da Jovem Guarda – interpreta os versos que dizem ‘Foi ele quem trouxe…’ e a canção volta a ser sucesso nacional e marca o ingresso da artista no estilo sertanejo. Entre 2008 e 2009, ‘Beijinho Doce’, do paraguaçuense Nhô Pai voltou a ser sucesso nacional, pois era a música-enredo da dupla formada pelas atrizes Cláudia Raia (Donatela) e Patrícia Pillar (Flora), na novela ‘A Favorita’, da rede Globo. A novela, escrita por João Emanuel Carneiro, teve quase 200 capítulos, e foi sucesso de audiência na época.
Ou seja, 30 anos depois da despedida do seu compositor, ‘Beijinho Doce’ voltou a ser descoberto pelo grande público. E é esse um dos principais efeitos da arte, da cultura, e do fazer artístico: perpetuar na sociedade tudo aquilo que nos deixa mais leve.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics/LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.