‘Fiquei apavorado e, depois, veio muita dor’, diz goleiro baleado por PM em campo
O goleiro Ramón Souza, 22, baleado por um policial em campo na última quarta-feira (10), relata que não esperava que sofreria uma violência dessa intensidade, especialmente numa confusão que já havia acabado.
“Ele [o policial] falou para eu ir para trás. No momento que eu estava dando um passo para trás, ele efetuou o disparo Não [esperava]. Na verdade, nunca esperei, nunca imaginei passar por isso na minha vida, na minha carreira, até porque eu estava no meu ambiente de trabalho. Na hora, antes da dor, fiquei sem acreditar, porque a gente usa nosso corpo como instrumento de trabalho e, quando eu vi aquilo, fiquei apavorado, com medo e, depois, veio muita dor”, relatou à reportagem.
A confusão começou por conta de uma discussão entre um gandula e o goleiro do Centro Oeste, adversário do Grêmio Anápolis de Ramón naquele dia. No tumulto, a polícia dispersou o time, mas um dos agentes empurrou o zagueiro Kayk, 21, e apontou a arma para o rosto dele, conforme relatos do gandula, do zagueiro e do goleiro.
“E, quando já estava se apaziguando, o time adversário já estava entrando no vestiário e o nosso também já estava de saída, foi quando os policiais chegaram já empurrando todo mundo, apontando a arma. Aí o policial empurrou um dos nossos atletas [Kayk], que estava de costas, e apontou a arma em direção ao rosto dele. Foi o momento em que eu vi e pedi para ele abaixar a arma”, afirma Ramón.
O goleiro ainda não tem previsão de retorno às atividades com bola e depende da evolução da cicatrização do ferimento, que tem três centímetros de profundidade e três centímetros de largura, de acordo com o médico do Grêmio Anápolis, Diego Bento.
“Essa ferida pode evoluir de maneira boa ou não. Evoluindo de maneira ruim, devido à desvitalização desse tecido, porque a bala estava muito quente e queimou literalmente o tecido que estava em volta, ela [a ferida] pode sofrer uma necrose, pode evoluir para uma infecção. Estamos tratando o goleiro Ramón com antibióticos e fazendo curativos diários. Esperamos e torcemos muito para a recuperação dele nos próximos três a quatro meses para ele voltar aos campos”, disse.
A mãe de Ramón, Carliane Alves de Souza, 42, acredita que o filho não atuará mais durante o ano de 2024. Ele está fora do restante da da divisão de acesso do Campeonato Goiano.
“Esse homem que usa a farda jamais pode ser chamado de policial goiano. Aquele homem é um despreparado. Ele não poderia jamais ter disparado aquele tiro, porque não havia necessidade. Atrapalhou meu menino, tirou ele do campeonato. Ele não joga mais esse ano. Em vez de estar treinando, está andando de delegacia em delegacia. A história da vida dele mudou dentro de alguns segundos. Se a gente ficar calado, isso vai acontecer com outros”, contou ela.
No relato registrado no boletim de ocorrência, Ramón afirma que pediu ao policial que abaixasse a sua arma, mas foi atingido logo em sequência, momento em que saiu gritando e correndo com dor. Enquanto isso, afirma o goleiro, o policial perguntava aos outros jogadores: ‘Quer também?’, com a arma apontada na direção deles.
O advogado Paulo Pinheiro, do Grêmio Anápolis, acompanhou o goleiro durante depoimento na delegacia na manhã desta quinta-feira (11). Ramón passou por exame de corpo de delito ainda durante a noite de quarta.
Segundo Pinheiro, será feita a representação na corregedoria da Polícia Militar, bem como os atos necessários na Justiça Desportiva e na Justiça comum para buscar reparação.
A Polícia Militar informou, por meio de nota, que foi determinada a abertura de um procedimento administrativo para apurar os fatos com rigor.
A corporação disse que reafirma o seu compromisso com o cumprimento da lei e reitera que não compactua com qualquer desvio de conduta praticado por seus membros.
Em nota, o governador Ronaldo Caiado afirmou estar indignado e que “uma investigação rápida e detalhada sobre o caso”.
“O policial responsável pelo disparo foi afastado de qualquer evento esportivo e encaminhado para a junta psicológica. A Corregedoria da Polícia Militar de Goiás abriu um inquérito policial militar para apurar o crime de lesão corporal e também foi instaurado um Procedimento Administrativo Disciplinar. O governo de Goiás não compactua com qualquer desvio de conduta nas forças de segurança e em nenhum órgão do estado”, afirmou o governador.
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POR JOSUÉ SEIXAS