Filho de imigrantes promove trabalho social que ajuda milhares de pessoas em Marília
Filho de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil sem falar uma palavra em português e que tiveram que se esconder durante o período da Segunda Guerra Mundial, Tadaumi Tachibana, ou simplesmente Tadau, é um dos integrantes do grupo Amigos do Bar. A credibilidade conquistada com o importante trabalho social em Marília, inspirando outras pessoas a ajudarem os próximos, faz com que ele sinta um verdadeiro compromisso em continuar no propósito.
Tadau nasceu em uma fazenda de Marília e morou em uma propriedade rural até os 11 anos. Seus pais plantavam laranja, melancia, algodão e amendoim, dependendo da época do ano e da expectativa de mercado. Durante a Segunda Guerra Mundial, seus pais tiveram que ficar escondidos em uma fazenda em Garça.
O mariliense deixou o campo e veio para a cidade pela preocupação de seus pais com os estudos. Depois da infância, Tadau trabalhou na Livraria Acadêmica, foi gerente de banco e depois se tornou representante comercial, atuando durante 28 anos.
Como sempre viajava para trazer o sustento da família, não conseguiu aproveitar o crescimento dos filhos Taís, Tatiana e Fábio, que são seus verdadeiros orgulhos. A seriedade que teve como pai se derreteu ao se transformar em avô. Apaixonado pelos cinco netos, Tadau se emociona ao falar deles e sempre faz todas as suas vontades.
Entre os planos para os próximos anos está a construção de uma casa para a Associação Mariliense de Apoio ao Paciente Oncológico (Amapon), que receberá pacientes com câncer e seus acompanhantes, das 62 cidades do Departamento Regional de Saúde (DRS), durante o tratamento em Marília.
Ele recebeu o Marília Notícia na sede do grupo Amigos do Bar, contou sobre sua história e sobre o trabalho que é feito e que ainda pretende fazer na cidade.
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MN – Você nasceu e viveu sua infância em uma propriedade rural?
Tadau – Meus pais vieram do Japão e não sabiam falar uma palavra em português. Meu pai começou a trabalhar em fazenda e minha infância foi no sítio. Meu pai, mesmo não sabendo ler ou escrever, conseguiu vencer na vida. Eu tenho uma admiração muito grande pelo meu pai. Foi um modelo de vida. Imagina você chegando a um país totalmente diferente, radicalmente ao contrário. O Brasil e Japão são opostos. Você chega aqui e consegue vencer, sem falar a língua, sem saber escrever. Eu não sei como ele fazia negócios.
MN – A forma como seu pai conseguiu vencer longe de sua terra natal te inspirou?
Tadau – Ele deixou uma grande lição. Até hoje eu estava comentando, meu pai sempre falava que não adiantava falar, mas tinha que fazer. Faz e depois fala. Tem gente que fica falando, falando e não faz, mas ele me ensinou fazer primeiro e depois falar. Eu não fico comentando o que eu vou fazer. Vou lá e eu faço. Se você está fazendo o bem, não tem como errar.
MN – Como foi sua vida depois da infância no sítio?
Tadau – Eu trabalhei na Livraria Acadêmica, fui gerente de banco e depois virei representante comercial. Trabalhei 28 anos como representante comercial e criei meus três filhos, que são os orgulhos da minha vida. Tenho o maior amor do mundo pelos meus netos João, Maria Júlia, Maria Luiza, Helena e Eduardo. Eles são o meu gás.
MN – O que é ser avô para você?
Tadau – Não sei te explicar. Os meus filhos pediam as coisas para mim e muitas vezes eu negava. De vez em quando eu dava uma chinelada neles. Brigava com eles. Os meus netos pedem e eu faço tudo por eles. Nunca falei não. Nunca levantei a voz. Eles mandam em mim. É diferente, né? Eu fico até emocionado quando falo com os meus netos.
MN – Eles moram aqui em Marília?
Tadau – Dois moram aqui e três em São Paulo. Eu fico emocionado demais de falar deles, até porque eu não criei meus filhos, pois eu viajava muito. Então eu saía de segunda, de terça, voltava só na quinta ou sexta. Sábado eu ficava praticamente metade do dia trabalhando. Não vi meus filhos crescerem. Não sei o que é ser um pai atuante e devo tudo à minha esposa, que foi quem realmente educou os filhos. Eu também ajudei a educar, mas quem cuidou foi ela.
MN – E com os netos?
Tadau – Quando chegam os netos, você quer descontar. Por exemplo, eu tinha vontade de dar um brinquedo, mas às vezes não tinha condição financeira também. Hoje eu tento fazer tudo por eles. É a minha alegria. Por eles, tudo valeu a pena. Tudo que eu passei até hoje, todas as dificuldades, todos os problemas da vida, que têm altos e baixos. Os meus netos são a recompensa.
MN – Como começou com o trabalho social?
Tadau – Eu comecei há muitos anos atrás. Há 20 anos eu já fazia uma doação por ano. Prometi para mim mesmo que eu ia ajudar uma entidade assistencial uma vez por ano, equivalente a um salário mínimo. Todo final de ano eu ligava para uma entidade e perguntava qual era a necessidade deles. Então eu comprava e doava. Até levei meus filhos para acompanhar a doação, pois queria que eles tivessem esse espírito solidário.
MN – E como surgiu o grupo Amigos do Bar?
Tadau – Estávamos em uma mesa de um bar e alguém falou que tínhamos dinheiro para tomar cerveja, comer um aperitivo, mas uma parte desse dinheiro poderíamos fazer um trabalho social. Depois disso, o senhor José Juarez Mustafá, na casa do Heraldo Malta Rolim, aniversário dele e do Paulo Catelli, em 2014, chegou com um caderninho e começou a montar o grupo. Se não me engano, foram umas 15 pessoas.
MN – Como era no começo?
Tadau – Juntou todo mundo ali e cada um dava um valor, de acordo com a sua possibilidade. A ideia inicial nossa era atender uma entidade por mês, porque o dinheiro que tinha só dava para fazer um trabalho social mesmo. Nossa arrecadação era pequena. Logo em seguida, cinco meses depois, a Casa do Caminho perguntou se a gente tinha condição de arrumar os banheiros deles, que não tinham azulejo. Nós não tínhamos dinheiro. Então surgiu um empresário lá de Bauru, que se prontificou a doar os azulejos, mas nós não tínhamos dinheiro para pagar a reforma. Então eu publiquei no jornal que estava precisando de ajuda e o senhor Arnaldo, do jurídico do Daem, levou um saco de cimento. Falei sobre a dificuldade de ter a verba para poder pagar o pedreiro, mas passou um tempo e ele me liga dizendo que tinha feito um uma rifa, conseguindo R$ 3 mil. Conseguimos pagar os pedreiros e fazer a reforma.
MN – Essa primeira ajuda veio após uma nota na imprensa?
Tadau – Foi depois que saiu no jornal. Então você vê como é a comunicação e como a imprensa é importante. É o único canal que temos para falar com as pessoas. Por isso eu respeito demais a imprensa. Eu sei do papel dela, que é muito importante nessa área social. A imprensa faz toda a diferença. Vocês podem ter esse orgulho. Quando você vê um resultado, você pode ter certeza que a imprensa fez parte desse resultado.
MN – Com o tempo o grupo foi crescendo?
Tadau – Criamos uma campanha que se chama “Amor no Carrinho. Ficamos na porta do supermercado, em uma determinada data, para arrecadar alimentos. No primeiro ano arrecadamos quatro toneladas. Teve gente do grupo que até chorou de alegria. No segundo ano conseguimos 7,8 toneladas. No terceiro ano foram quase 10 toneladas e no último ano deste projeto, em 2019, conseguimos 11 toneladas.
MN – Como distribuíram esses alimentos todos?
Tadau – Nós distribuíamos para os três asilos da cidade, mas como era muita coisa, entregamos para mais dez entidades filantrópicas. Foram aumentando os contribuintes e nós estávamos atendendo duas entidades por mês. De repente, nós estávamos atendendo quatro. Fazíamos quatro ações por mês. Toda semana nós escolhíamos uma entidade, em toda a área do Terceiro Setor. Dependentes químicos, deficientes físicos, oncológico e idosos, além da educação.
MN – Nessa época vocês já tinham uma sede?
Tadau – Quando surgiu a pandemia, nós não tínhamos um local. Você me ligava, falava que precisava de um pacote de arroz, eu comprava e entregava. Quando a minha sogra ficou doente e eu precisei arrumar uma cama hospitalar, conseguimos uma doação, mas infelizmente nem chegamos a usar, pois ela faleceu. Decidimos emprestar, mas conseguimos a doação de outras 25 camas. O José Roberto Albieri, que todo mundo conhece como “Zé Rigó”, arrumou essa casa gratuitamente, da senhora Maria Garcia Esteves Albieri e do seu marido José Geraldo Albieri. Quando eu avisei no grupo que tinha conseguido uma sede própria, isso aqui virou uma loucura. Todo mundo trouxe alguma coisa. Foi geladeira, fogão, painéis, sofá. Em uma semana mobiliamos a casa. Este lugar transformou o grupo Amigo do Bar. Fica aqui registrada minha gratidão eterna ao casal que cedeu este imóvel.
MN – Vocês começaram a emprestar produtos hospitalares?
Tadau – Os caras ficaram sabendo que nós estávamos emprestando e começaram a chegar doações. Com essa casa houve uma transformação, pois nós começamos a fazer esse trabalho social de emprestar produtos hospitalares, além de doar produtos, cestas básicas e remédios, sem cobrar nada. Obviamente que a gente vai analisar para quem vai emprestar, se é uma pessoa ou uma família que precisa. Se for uma família que tem condição de pagar, nós não emprestamos.
MN – Quando surgiu a pandemia o grupo ajudou na compra de respiradores?
Tadau – Algumas pessoas se reuniram para tentar recursos para comprar respiradores e outros produtos hospitalares. Conseguimos arrecadar, se não me falha a memória, R$ 380 mil. Cada respirador estava custando R$ 25 mil. Além disso, compramos um monte de equipamentos e produtos, como álcool em gel que não tinha em Marília. Fizemos milhares de máscaras. Compramos tecido e conseguimos mais de 25 costureiras voluntárias para fazer as máscaras e aventais que nós doamos para todos os hospitais. Doamos inclusive para Emdurb, para o pessoal lá do pessoal do cemitério, que não tinha álcool em gel, não tinha luva, não tinha máscara, não tinha nada. Doamos até para a Polícia Militar.
MN – Nessa época estava todo o comércio fechado.
Tadau – O comércio todo fechado. Só estava funcionando farmácia, hospital e supermercado com restrição ainda. Foi quando eu falei no grupo. “Pessoal, Covid mata, mas a fome também”. Lá na minha casa, fiquei 18 dias atendendo famílias. Doando cesta básica de segunda a segunda, inclusive no feriado eu estava lá entregando cesta básica na minha casa, até 20h tinha gente batendo palma, apertando campainha. O meu carro dormia na rua, pois não tinha mais lugar na garagem.
MN – As pessoas ajudaram muito nessa época?
Tadau – A sociedade me ajudou muito. Eu pedi para a imprensa e foi feita uma grande campanha. Teve supermercados que me ajudaram. Naquela época mandavam a cesta básica, tomate, cebola, fraldas. Mandaram mais de 20 mil fraldas na minha casa. Chegava uma pessoa desconhecida trazendo quatro cestas básicas, pacotes de arroz. Comecei até a ter problemas com a minha família, que ficou preocupada porque eu estava tendo muito contato com muita gente.
MN – Não tinha mais espaço para guardar tanto produtos na sua casa?
Tadau – Por isso que essa casa aqui, ela tem muita importância. Mudou tudo. Quando o José Geraldo Albieri e a Mara, principalmente a Mara, que a casa era da mãe dela. Então ela realmente tem um papel muito fundamental para o grupo Amigos do Bar se tornar o que ele é hoje. O espaço físico é muito importante.
MN – E agora existe um projeto para construção de uma casa de apoio para pacientes com câncer?
Tadau – Temos muitas pessoas que nos ajudam muito. Dezenas e dezenas de pessoas que nos ajudam, juntamente com as empresas da cidade, mas tem uma pessoa muito importante aqui, que esse eu vou até citar o nome. O Luiz Antônio Duarte Ferreira fez uma reunião comigo no dia 26 de dezembro de 2022. Ele disse que tinha um sonho para realizar e me pediu ajuda. Ele queria montar uma casa de acolhimento pessoas em tratamento oncológico aqui em Marília. No dia 6 de janeiro ele me ligou dizendo que havia comprado uma casa. A localização era ótima, mas tivemos que derrubar, pois não tinha condições para isso. Foi quando surgiu a Amapon, que é a Associação Mariliense de Apoio ao Paciente Oncológico, que vai funcionar na avenida Féres Mattar, 475.
MN – Como está o andamento deste projeto?
Tadau – Já temos o CNPJ e ela é uma instituição constituída. Já tem o seu estatuto. Ela está legalizada, com a planta na Prefeitura para ser aprovada. Em poucos dias nós queremos já iniciar a construção. Provavelmente vamos fazer o lançamento da pedra fundamental, até para divulgar esse projeto. Nessa casa vamos atender pessoas das 62 cidades do DRS, que vem para Marília em tratamento.
MN – Como vai funcionar?
Tadau – O pessoal vem aqui fazer um tratamento e fica horas esperando para poder voltar para sua cidade, ou precisa dormir e não tem lugar. Precisa ficar aguardando, muitas vezes, na rua. Nós vamos atender pacientes dos três hospitais. Vamos fazer várias reuniões ainda, principalmente para definir na questão do deslocamento, pois vai ter uma logística que é complicada. A casa poderá receber 18 pessoas para dormir lá. Vamos oferecer café da manhã, almoço, café da tarde, jantar e um lanche antes de dormir. A única exigência é que não pode vir o paciente sozinho. Só vamos receber se estiver com um acompanhante, que vai se responsabilizar pelo paciente. Existe até o projeto de fazer uma praça em frente, que seria extensão da casa. Essa praça vai estar em lugar aberto, com árvores, com flores. Você pode ir lá para ler um livro ou bater papo. Se Deus quiser nós vamos colocar em prática.
MN – Vocês vão precisar de funcionários trabalhando ali.
Tadau – Eu já estou conversando com alguns voluntários. Eu preciso pegar as pessoas certas para trabalhar lá. Queremos humanizar esse trabalho. Temos um regimento que é proibido chegar com mau humor. Se está de mau humor, fique em casa, por favor. Não apareça lá.
MN – Recentemente vocês lançaram até um livro?
Tadau – Fizemos o lançamento no dia 28 de julho, lá no Chaplin. Os recursos da venda desse livro já estão sendo destinados para a Amapon, não para os Amigos do Bar. Toda venda do livro dos Amigos do Bar, o que está sendo arrecadado vai para o novo projeto.
MN – O que te motiva a fazer tanto pelas pessoas da cidade?
Tadau – O que me motiva? Primeiro que eu tenho esse espírito, né? Natural de mim. Mas você vem fazer essa entrevista e amanhã chega alguém para trazer dez pacotes de farinha. Cada um que chega aqui, muitos desconhecidos. Tem gente que gosta de ajudar, mas não tem tempo. A pessoa faz a doação, pois sabe que vamos dar uma destinação correta. Me sinto muito responsável por isso. É muita responsabilidade e é por isso que eu trabalho. Quero corresponder toda essa expectativa e por isso eu sempre peço ajuda para a imprensa na divulgação. Hoje as pessoas já sabem que na Rua Rio Grande do Sul, 234, recebemos essas doações, que distribuímos mensalmente para as entidades filantrópicas da cidade, que fazem esse encaminhamento para quem realmente precisa.